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Toque vaginal de rotina no pré-natal: ainda se justifica?

O toque vaginal é uma ferramenta clássica da obstetrícia. Ao longo da história, foi considerado indispensável para avaliar a gestação e o início do trabalho de parto. No entanto, quando falamos sobre o acompanhamento pré-natal de rotina em gestantes saudáveis, é hora de refletir: será que ainda faz sentido realizar toques vaginais sistematicamente?

Neste artigo, vamos discutir o que dizem as melhores evidências científicas sobre o uso rotineiro do exame de toque vaginal durante o pré-natal e por que práticas desatualizadas ainda persistem na assistência à gestação.

O que é o toque vaginal e para que serve?

O toque vaginal consiste na introdução dos dedos do profissional de saúde na vagina da gestante para avaliar características do colo do útero, como dilatação, apagamento, consistência, posição e, ocasionalmente, a apresentação fetal.

Esse exame pode ser importante em algumas situações específicas, como:

  • Avaliação de trabalho de parto (confirmar dilatação e progressão).
  • Investigação de queixas como sangramento ou dor pélvica.
  • Suspeita de amniorrexe (ruptura da bolsa).
  • Avaliação do colo em gestações de risco, como ameaça de parto prematuro.

No entanto, fora dessas situações, sua indicação rotineira não é respaldada pelas principais diretrizes internacionais.

O que dizem as evidências científicas?

As revisões sistemáticas da Cochrane apontam que não há benefício clínico em realizar toque vaginal de rotina durante o pré-natal em gestantes de baixo risco. Um estudo clássico (Dowswell et al., Cochrane Database, 2013) concluiu que a avaliação rotineira do colo do útero a partir de 37 semanas não melhora desfechos maternos nem neonatais, e pode aumentar a ansiedade, o desconforto e o risco de intervenções desnecessárias.

A ACOG (American College of Obstetricians and Gynecologists) também reforça que, em gestantes assintomáticas e sem risco aumentado para parto prematuro, o exame físico vaginal de rotina não deve ser realizado.

Da mesma forma, o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) e o NHS (Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido) indicam que toques vaginais devem ser reservados para situações específicas, com consentimento claro da gestante, e nunca como um procedimento de praxe.

Riscos potenciais do toque vaginal de rotina

Além de não trazer benefícios comprovados, o toque vaginal de rotina pode acarretar:

  • Desconforto físico e emocional.
  • Aumento do risco de infecções.
  • Ansiedade desnecessária, especialmente se for mal interpretado ou mal comunicado.
  • Normalização de práticas invasivas sem consentimento esclarecido.

É essencial lembrar que a prática obstétrica deve respeitar a autonomia da mulher e se basear em intervenções que façam sentido do ponto de vista clínico e emocional.

O que deveria acontecer no lugar?

Durante o pré-natal, a avaliação da gestante deve se concentrar em escuta ativa, medição da pressão arterial, monitoramento do crescimento fetal, avaliação de movimentações fetais, exames laboratoriais e ultrassonografias conforme a indicação.

O toque vaginal só deve ser feito quando houver uma razão clínica clara, com consentimento informado e explícito da mulher, explicando o motivo e os potenciais achados do exame.

O papel do Instituto Nascer

No Instituto Nascer, prezamos pela assistência baseada em evidências, respeito e protagonismo da mulher. Questionar práticas obsoletas não significa desvalorizar a obstetrícia tradicional, mas sim atualizá-la com o que há de melhor em ciência, empatia e cuidado individualizado.

O toque vaginal, assim como qualquer outro procedimento, precisa fazer sentido para a mulher, para o momento da gestação e para o plano de cuidado. Informação e consentimento não são apenas recomendações éticas — são direitos.

Conclusão

A realização de toques vaginais rotineiros no pré-natal de mulheres saudáveis, sem indicação clínica, não encontra suporte nas melhores evidências científicas. Práticas assim devem ser revistas e substituídas por uma abordagem mais respeitosa, centrada na mulher e baseada na ciência.

Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455

Fontes e Referências

  • Dowswell T, Gyte GM, Duley L, Neilson JP. Routine vaginal examinations for assessing progress of labour. Cochrane Database Syst Rev. 2013;(7):CD010088.
  • ACOG. Committee Opinion No. 828: Routine Tests and Examinations in Pregnancy. American College of Obstetricians and Gynecologists. Obstet Gynecol. 2021.
  • RCOG. Green-top Guideline No. 42: Antepartum Haemorrhage. Royal College of Obstetricians and Gynaecologists. London, 2011.
  • National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Antenatal care for uncomplicated pregnancies. NICE guideline [CG62]. Published March 2008; last updated August 2021.
  • NHS UK. Your antenatal appointments.
  • Declercq E, Sakala C, Corry MP, Applebaum S. Listening to Mothers II: Report of the Second National U.S. Survey of Women’s Childbearing Experiences. New York: Childbirth Connection; 2006.

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