O Brasil é o vice-campeão mundial de cesarianas – mas isso não é motivo de orgulho.
A cesariana é uma cirurgia que salva vidas. Mas, no Brasil, ela tem sido usada de forma indiscriminada, desproporcional e, muitas vezes, sem indicação médica real.
Segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde, mais de 56% dos partos no país são cesarianas — uma taxa quase três vezes maior que a recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que propõe um índice entre 10% e 15%. Em alguns hospitais privados, a taxa ultrapassa 90%.
Estamos diante de uma epidemia de cesáreas desnecessárias. E para combatê-la, precisamos de informação, protagonismo das mulheres e uma mudança profunda na cultura obstétrica.
Neste artigo, vamos mostrar como você pode evitar uma cesariana desnecessária, com base nas melhores e mais atuais evidências científicas e considerando o contexto social e médico brasileiro.
1. Entenda que o parto normal é o padrão-ouro do nascimento
É importante começar com um ponto fundamental: o parto normal é o desfecho mais seguro para a maioria das mulheres e bebês saudáveis.
As diretrizes do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) e da OMS são claras: a cesariana deve ser reservada para situações em que os riscos do parto vaginal superam os riscos da cirurgia.
E esses riscos existem e não são pequenos. Cesarianas eletivas, especialmente antes do início do trabalho de parto, aumentam:
- o risco de desconforto respiratório no recém-nascido;
- o risco de prematuridade iatrogênica;
- a chance de complicações em futuras gestações (como placenta prévia e acretismo placentário);
- o risco de infecções e hemorragias maternas;
- o risco de sequelas imunológicas provavelmente relacionadas a distúrbios do microbioma devido à falta de exposição à flora vaginal;
- o maior tempo de recuperação pós-parto e as dificuldades na amamentação.
Fontes: ACOG PB No. 205; NICE CG132; WHO Recommendations 2018.
2. Escolha uma equipe que acredita no parto normal
Parece óbvio, mas no Brasil essa decisão muda tudo.
Infelizmente, ainda vivemos em um modelo centrado no profissional e não na mulher. Muitos obstetras não acompanham partos vaginais espontâneos, preferindo agendar cesarianas por conveniência de agenda ou medo do imprevisível.
Procure uma equipe multiprofissional humanizada, com obstetra, enfermeira obstetra e doula. Equipes assim respeitam o tempo do corpo, evitam intervenções desnecessárias e valorizam o protagonismo feminino.
3. Faça um plano de parto – e discuta com sua equipe
O plano de parto é uma ferramenta de empoderamento.
Ao construir seu plano, você expressa desejos, limites e preferências. E, mais importante: você passa a conhecer seus direitos, como:
- Estar acompanhada durante o trabalho de parto;
- Ter liberdade de posição e movimento;
- Ser informada sobre qualquer intervenção;
- Recusar procedimentos não desejados.
Estudos mostram que mulheres que elaboram plano de parto com sua equipe têm menores taxas de cesárea e maior satisfação com o parto (Fonte: Cochrane Review, Légaré et al., 2018).
4. Confie na fisiologia e na inteligência do seu corpo
O trabalho de parto é um processo fisiológico, dinâmico, e que exige tempo, paciência e confiança.
Nos hospitais brasileiros, muitas vezes o parto é tratado como uma emergência, e não como um evento natural. Isso leva à famosa “cascata de intervenções”: soro com ocitocina, imobilização, analgesia precoce, e finalmente, a frase: “o bebê não está descendo”.
A revisão Cochrane liderada por Hodnett (2013) mostra que apoio contínuo de doulas e enfermeiras obstétricas reduz significativamente as chances de cesárea, aumenta partos espontâneos e melhora os desfechos neonatais.
5. Cuidado com cesarianas agendadas sem trabalho de parto
Cesarianas feitas antes do trabalho de parto, mesmo após 39 semanas, privam o bebê dos benefícios fisiológicos da transição natural para a vida extrauterina, como:
- liberação de catecolaminas que ajudam a respirar,
- maior preparo para a amamentação,
- exposição à flora vaginal, que coloniza o intestino do recém-nascido com bactérias benéficas essenciais para o desenvolvimento do sistema imunológico e metabólico;
- redução do risco de taquipneia transitória e consequente diminuição da chance de internação em UTI neonatal nos primeiros dias de vida.
Além disso, estudos do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) alertam que a cesariana agendada aumenta o risco de complicações respiratórias em até 6 vezes, mesmo em bebês a termo.
6. Exija que a decisão seja baseada em critérios clínicos e evidências – não em conveniências
A decisão pela cesárea deve ser tomada no momento certo, baseada em critérios clínicos claros, e após tentativa real de parto vaginal, salvo exceções obstétricas.
Segundo o relatório “Nascer no Brasil” (Fiocruz, 2014), 70% das mulheres que fizeram cesariana não estavam em trabalho de parto. Isso por si só já é um marcador de uso excessivo e injustificável da cirurgia.
Conclusão: Cesárea salva vidas — mas quando usada com critério!
No Instituto Nascer, acreditamos que parto é consequência de mulheres bem cuidadas.
Não somos contra a cesariana. Somos contra o uso banal, desnecessário e, muitas vezes, violento da cirurgia no nascimento de crianças brasileiras.
Com informação, apoio multiprofissional e um sistema de saúde que respeite a fisiologia e os direitos da mulher, podemos virar esse jogo.
Mudar o modelo de parto no Brasil é urgente. E começa com cada mulher conhecendo seu corpo, seus direitos e suas opções.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Referências científicas:
- ACOG Practice Bulletin No. 205 – Vaginal Birth After Cesarean Delivery. Obstetrics & Gynecology. 2019.
- NICE Clinical Guideline CG190 – Intrapartum Care for Healthy Women and Babies. 2021.
- RCOG Green-top Guideline No. 45 – Birth After Previous Caesarean Birth. 2015.
- WHO (2018) – Recommendations: Intrapartum care for a positive childbirth experience.
- Cochrane Review – Hodnett ED et al. “Continuous support for women during childbirth”, 2013.
- Projeto Nascer no Brasil – Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 2014.
- Légaré F. et al. – Shared decision making: reducing unnecessary cesarean births. Cochrane Library, 2018.