Um olhar baseado na ciência e no cuidado respeitoso
Se você está grávida ou acompanhando alguém nessa fase, talvez já tenha ouvido dizer que a ocitocina é a “vilã do parto”. Ela é frequentemente associada a dores intensas, partos apressados, intervenções em cascata e até a experiências traumáticas.
Mas será que essa fama é justa? Afinal, a ocitocina — seja natural ou sintética — tem um papel fundamental no trabalho de parto. O problema não está exatamente na substância em si, mas na forma como ela é usada.
Neste texto, queremos esclarecer o que é a ocitocina, como ela funciona, quando ela pode salvar vidas e quando deve ser evitada. E, principalmente, queremos devolver à mulher o direito de viver um parto seguro, informado e respeitoso.
O que é a ocitocina?
A ocitocina é um hormônio produzido naturalmente pelo corpo — mais especificamente, pelo hipotálamo, e liberado pela neuro-hipófise. Ela está presente em muitos momentos de conexão, como:
- O trabalho de parto
- A amamentação (reflexo de ejeção do leite)
- O orgasmo
- O contato pele a pele
- O vínculo afetivo
Por isso, a ocitocina também é chamada de “hormônio do amor, do afeto e da entrega”.
No contexto do parto, a ocitocina atua diretamente no útero, promovendo contrações coordenadas que ajudam a dilatar o colo e a conduzir o bebê pelo canal de parto. É ela quem faz o corpo entrar — e permanecer — no trabalho de parto ativo.
O que é a ocitocina sintética?
A ocitocina sintética (conhecida comercialmente como Syntocinon® ou Pitocin®) é uma versão farmacológica do hormônio natural. Ela é usada na assistência ao parto para:
- Induzir o trabalho de parto, quando ele não começa espontaneamente
- Aumentar a força e frequência das contrações, em casos de falência de progressão
- Prevenir e tratar hemorragias pós-parto, após o nascimento da placenta
O grande desafio está em entender quando e como utilizá-la.
Quando a ocitocina sintética é indicada no parto?
Segundo as diretrizes da OMS, ACOG, RCOG e NICE, a ocitocina pode ser bem-vinda em situações como:
- Indução do parto com colo favorável, quando há indicação médica (ex: gestação prolongada, ruptura da bolsa, pré-eclâmpsia)
- Aumento de contrações insuficientes no trabalho de parto ativo (falência de progressão ou distócia funcional)
- Controle de hemorragia pós-parto por atonia uterina
- Auxílio em casos de partos instrumentais (fórceps ou vácuo), quando necessário
Em todos esses cenários, a ocitocina pode salvar vidas e reduzir a necessidade de cesariana, se usada corretamente.
Quando a ocitocina não deve ser usada?
A ocitocina não deve ser usada de forma rotineira ou para apressar o parto por conveniência. Ela também deve ser evitada ou usada com extremo cuidado em situações como:
- Trabalho de parto já bem estabelecido, com contrações eficazes
- Histórico de cesariana ou cirurgia uterina prévia (maior risco de ruptura)
- Desproporção céfalo-pélvica confirmada
- Sofrimento fetal sem causa resolvida
- Partos induzidos sem avaliação do colo (Bishop)
Seu uso deve sempre ser precedido de uma avaliação clínica minuciosa, com monitoramento contínuo das contrações e dos batimentos cardíacos fetais.
Por que a ocitocina ganhou fama de “vilã” no Brasil?
Nas últimas décadas, no Brasil, houve uma banalização e medicalização excessiva do parto. A ocitocina foi (e ainda é) usada muitas vezes:
- Sem real indicação médica
- Em doses altas e contínuas
- Com rompimento precoce da bolsa, sem consentimento
- Com imobilização da mulher, que é privada de se movimentar
- Sem analgesia adequada, causando dor intensa e sensação de sofrimento
Nesse cenário, a ocitocina passou a ser vista como a responsável pela dor intensa e pela perda do protagonismo feminino no parto. Mas, na verdade, o problema está no modelo de assistência intervencionista, e não na substância em si.
Quais são os riscos do uso inadequado ou excessivo da ocitocina?
A ocitocina mal utilizada pode levar a complicações como:
- Hiperestimulação uterina (contrações muito frequentes e intensas)
- Sofrimento fetal, por redução do oxigênio placentário
- Rotura uterina, especialmente em mulheres com cesárea anterior
- Descolamento prematuro de placenta
- Dor intensa e desorganizada
- Experiência traumática para a mulher
Por isso, seu uso exige monitoramento contínuo, equipe treinada e sensibilidade clínica.
Existe um jeito humanizado de usar a ocitocina?
Sim! No Instituto Nascer, entendemos que a ocitocina pode ser uma aliada do parto quando usada com parcimônia, evidência e respeito à mulher.
Isso significa:
- Informar a mulher antes da indicação
- Avaliar se há real necessidade clínica
- Começar com a menor dose possível, aumentando gradualmente
- Permitir liberdade de movimento
- Oferecer analgesia, se desejada pela mulher
- Combinar com métodos não farmacológicos (massagem, água morna, apoio emocional)
- Monitorar com atenção, mas sem pressa
Mensagem final: A ocitocina não é vilã — mas precisa ser usada com respeito
A ocitocina é uma substância potente e natural, presente em todo trabalho de parto fisiológico. A versão sintética é uma ferramenta valiosa da medicina, que pode ajudar a salvar vidas e promover partos vaginais seguros.
No entanto, como toda intervenção, deve ser usada com critério, evidência e humanidade. O medo que muitas mulheres sentem da ocitocina no Brasil não é irracional — ele nasce de experiências negativas reais, vividas num modelo de assistência que, muitas vezes, desrespeita o tempo da mulher e do nascimento.
Por isso, nosso compromisso no Instituto Nascer é usar a ocitocina com responsabilidade, como parte de um cuidado integral, que respeita a fisiologia, o vínculo, a autonomia e a dignidade do parto.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Fontes científicas utilizadas:
- World Health Organization (OMS) – Recommendations: Intrapartum care for a positive childbirth experience (2018)
- ACOG Practice Bulletin No. 107 – Induction of Labor
- Cochrane Review – Oxytocin for the augmentation of labour (2022)
- Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) – Birth after previous caesarean birth (Green-top Guideline No. 45)
- NICE Clinical Guidelines – Intrapartum care for healthy women and babies (CG190)
- Uptodate – Use of oxytocin for labor induction and augmentation