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Cordão Enrolado no Pescoço: É perigoso? Precisa fazer cesariana?

No imaginário coletivo brasileiro, poucas frases causam tanto alarme em uma gestante quanto:
“Seu bebê está com o cordão enrolado no pescoço.”

Essa condição — chamada de circular cervical de cordão — costuma ser interpretada como um risco imediato de sofrimento ou morte fetal, gerando medo, angústia e, muitas vezes, levando a decisões desnecessárias, como interrupções precoces da gestação ou indicações injustificadas de cesariana.

Mas o que diz a ciência? De fato, o cordão enrolado no pescoço é perigoso?

O que é a circular cervical de cordão?

É a presença de uma ou mais alças do cordão umbilical ao redor do pescoço do feto. Isso acontece de forma natural pelos movimentos fetais no líquido amniótico, especialmente em gestações com boa quantidade de líquido e bastante mobilidade fetal.

É uma variação anatômica comum, e não uma anormalidade.

Com que frequência acontece?

Estudos mostram que:

  • Cerca de 20 a 40% dos bebês apresentam uma circular cervical ao nascer;
  • Cerca de 2 a 5% têm duas voltas;
  • Três ou mais voltas são raras, mas podem ocorrer sem repercussão.

Ou seja, é uma ocorrência frequente, geralmente sem consequências clínicas.

Deve ser investigada no ultrassom?

Não é necessário investigar rotineiramente.

Segundo a ACOG e a NICE, a pesquisa ativa de circular cervical por ultrassonografia não é recomendada na prática clínica, porque:

  1. A presença ou ausência da circular muda frequentemente com o tempo — o cordão enrola e desenrola várias vezes ao longo da gestação.
  2. Na maioria absoluta dos casos, não há impacto na vitalidade fetal.
  3. O achado não muda a conduta obstétrica, especialmente no pré-natal.

Investigar esse achado em ultrassons de rotina aumenta a ansiedade sem oferecer benefício clínico, e pode induzir decisões baseadas no medo, e não na evidência.

O número de circulares importa?

  • Uma circular: não altera o parto e não traz riscos adicionais.
  • Duas circulares: geralmente também são bem toleradas e não indicam intervenção.
  • Três ou mais: exigem maior atenção intraparto, mas ainda assim não são indicação de cesariana por si só. A decisão deve sempre se basear no bem-estar fetal, e não no número de alças.

Estudos mostram que, mesmo com 2 ou 3 circulares, a grande maioria dos bebês nasce bem, com Apgar ≥ 7 no 1º minuto e sem necessidade de reanimação.

Circular cervical exige algum cuidado especial durante o parto?

Sim, alguns cuidados simples e bem conhecidos pelas equipes treinadas:

  • Durante o período expulsivo, se for identificada a circular no momento do nascimento da cabeça, ela pode:
    • Ser desenrolada delicadamente antes da saída dos ombros;
    • Se estiver apertada, pode ser pinçada e cortada rapidamente antes da finalização do parto;
  • Esses são procedimentos rotineiros, seguros e não indicam emergência.

Importante: a presença de circular cervical NÃO impede o parto normal.

Circular de cordão é indicação de cesariana?

Definitivamente, não.

As principais diretrizes internacionais são claras:

🔹 ACOG (Practice Bulletin 229, 2021):

“Circular cervical é uma ocorrência comum, geralmente benigna, e não deve ser considerada indicação para cesariana eletiva.”

🔹 NICE Guidelines (2021):

“A detecção de cordão em volta do pescoço não requer intervenção, desde que o padrão de frequência cardíaca fetal seja tranquilizador.”

🔹 RCOG (2022):

“Não há evidência de que a presença de uma ou mais circulares cause sofrimento fetal ou morte intraútero de forma isolada.”

Quando é necessário intervir?

A conduta deve sempre se basear em sinais objetivos de sofrimento fetal:

  • Traçados anormais na cardiotocografia (ex: desacelerações tardias ou variabilidade reduzida)
  • Presença de líquido meconial espesso com alterações no bem-estar fetal
  • Alterações no Doppler (em casos com outras comorbidades)

Se tudo estiver bem com o bebê, a circular não justifica indução, antecipação do parto nem cesariana.

Conclusão: Circular de cordão é variação da normalidade!

A circular cervical de cordão é comum, geralmente benigna e não representa, por si só, uma ameaça à saúde do bebê. O medo cultural que existe no Brasil em torno desse achado não se sustenta nas evidências científicas atuais.

Com uma equipe bem preparada, assistência humanizada e monitoramento adequado, a presença do cordão no pescoço não impede um parto vaginal seguro e respeitoso.

Mais uma vez, o conhecimento liberta — e protege. Especialmente em um país onde o excesso de cesarianas ainda é um problema de saúde pública.

Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455

Referências científicas:

  • ACOG Practice Bulletin No. 229: Intrapartum Fetal Heart Rate Monitoring (2021)
  • NICE Clinical Guideline CG190: Intrapartum Care for Healthy Women and Babies (2021)
  • UpToDate. “Nuchal cord” – updated 2024
  • Peesay M. Nuchal cord and its implications. Matern Health Neonatol Perinatol. 2017
  • RCOG Green-top Guideline: Fetal monitoring in labour (2022)

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