Durante a gestação, o colo do útero tem a função vital de manter o bebê protegido dentro do útero até que ele esteja pronto para nascer. Em algumas situações, no entanto, esse colo começa a se encurtar e abrir antes do tempo — o que pode levar ao parto prematuro ou à perda gestacional tardia.
É nesse contexto que surge a Cerclagem Uterina, uma técnica preventiva que, quando bem indicada, pode salvar gestações e oferecer segurança para mães e bebês. Mas, como todo procedimento, ela não deve ser banalizada — tanto o excesso quanto a falta de acesso à cerclagem podem causar danos.
No Instituto Nascer, nossa abordagem é sempre baseada na melhor evidência científica disponível, com cuidado individualizado, humanizado e responsável.
O que é a Cerclagem Uterina?
A cerclagem é um procedimento cirúrgico em que é colocado um ponto (geralmente com fio de sutura não absorvível) ao redor do colo do útero para mantê-lo fechado até o final da gestação. É realizada, via de regra, por via vaginal, com anestesia leve, e tem como objetivo prevenir o parto prematuro espontâneo ou a perda gestacional tardia em mulheres com risco aumentado de insuficiência cervical.
Quando a cerclagem é indicada?
Segundo as principais diretrizes internacionais (ACOG, SMFM, RCOG), a cerclagem é indicada em três contextos principais:
1. Cerclagem História-Indicada (History-Indicated Cerclage)
- Realizada entre 12 e 14 semanas em mulheres com:
- Dois ou mais partos prematuros espontâneos ou perdas gestacionais tardias, associadas à dilatação indolor do colo.
- É uma indicação baseada na história obstétrica, mesmo que o colo esteja normal no ultrassom.
2. Cerclagem Ultrassonográfica (Ultrasound-Indicated Cerclage)
- Realizada entre 16 e 24 semanas quando:
- A mulher tem história prévia de parto prematuro ou perda tardia + colo ≤ 25 mm medido por ultrassonografia transvaginal.
- O uso de progesterona vaginal precede a indicação de cerclagem; a falha da progesterona ou encurtamento progressivo pode justificar a intervenção.
3. Cerclagem de Urgência (Rescue Cerclage)
- Feita em situações em que há dilatação cervical significativa com ou sem protrusão de bolsa amniótica, mas sem trabalho de parto ou infecção.
- Embora mais arriscada, pode aumentar as chances de prolongamento da gestação.
Quais são as técnicas disponíveis?
✅ Cerclagem transvaginal (McDonald ou Shirodkar)
- É a mais comum e realizada via vaginal.
- Técnica de McDonald é a mais utilizada pela sua simplicidade e segurança.
- A de Shirodkar é uma variação mais profunda, indicada em casos selecionados.
✅ Cerclagem transabdominal
- Indicada em casos raros, quando há falha da cerclagem vaginal ou anomalias cervicais que impedem o acesso vaginal.
- Pode ser feita por laparotomia ou laparoscopia.
- Exige cesariana para o parto.
Quais são os riscos e complicações possíveis?
Apesar de geralmente segura, a cerclagem não é isenta de riscos:
- Sangramento, infecção e rotura de membranas
- Corioamnionite
- Indução precoce do trabalho de parto
- Risco de lesão cervical ou uterina na cerclagem de emergência
- Necessidade de internação ou uso de antibióticos
Por isso, o procedimento deve ser individualizado e bem indicado, com acompanhamento próximo e experiente.
Quais os benefícios da cerclagem uterina?
Quando indicada corretamente, a cerclagem pode:
- Reduzir o risco de parto prematuro antes de 34 semanas em mulheres com alto risco
- Prolongar significativamente a gestação
- Aumentar as chances de nascimento de um bebê saudável
- Reduzir a ansiedade materna quando bem explicada e acompanhada
A Cochrane e a SMFM reforçam que os benefícios são significativos apenas em populações bem selecionadas, e não há evidência de benefício em gestantes de baixo risco com colo curto isolado sem história prévia.
Uso racional da cerclagem no Brasil: entre o excesso e a omissão
O Brasil enfrenta dois extremos preocupantes no uso da cerclagem:
📈 Excesso de indicações imprecisas ou desnecessárias
- Cerclagens realizadas por colo curto isolado em gestações de baixo risco, sem respaldo das evidências
- Procedimentos feitos sem avaliação por ultrassom transvaginal padronizado
- Uso como “rotina” em casos de abortamento sem avaliação da causa
📉 Falta de acesso quando verdadeiramente indicada
- Mulheres com histórico de prematuridade ou perdas que não têm acesso a diagnóstico precoce ou cerclagem oportuna
- Falta de profissionais capacitados para realizar o procedimento de forma segura
- Desigualdade de acesso a centros com acompanhamento especializado
A visão do Instituto Nascer
A cerclagem uterina é uma ferramenta valiosa, mas que exige critério, ciência e experiência. No Instituto Nascer, acreditamos em um cuidado obstétrico que une tecnologia, empatia e responsabilidade. Nosso compromisso é com o uso racional e ético da cerclagem — para proteger mães e bebês sem medicalizar excessivamente a gestação.
Cerclagem não deve ser feita por rotina. Mas também não deve faltar quando realmente é necessária. O equilíbrio está na boa medicina, praticada por quem se importa.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Fontes científicas e diretrizes utilizadas:
- ACOG Practice Bulletin No. 234: Prediction and Prevention of Preterm Birth. Obstet Gynecol. 2021.
- SMFM Consult Series #47: The role of cervical length screening. Am J Obstet Gynecol. 2020.
- RCOG Green-top Guideline No. 60: Cervical Cerclage. 2022.
- NICE Guideline [NG25]: Preterm labour and birth. National Institute for Health and Care Excellence. 2022.
- Cochrane Review: Cerclage for preventing preterm birth in singleton pregnancy with a short cervix. Berghella et al., 2017.