Entenda os riscos e os cuidados necessários para proteger sua saúde no puerpério.
O puerpério — aquele período de até seis semanas após o nascimento do bebê — é um momento de muitas transformações físicas, emocionais e hormonais. Mas você sabia que, além de ser uma fase de adaptação, ele também pode representar um risco aumentado para um problema de saúde sério chamado tromboembolismo venoso (TEV)?
Vamos explicar, de forma clara e com base na medicina baseada em evidências, o que é o TEV, quem está mais vulnerável, quando e como prevenir, e por que alguns cuidados extras fazem toda a diferença nessa etapa tão especial da vida da mulher.
O que é Tromboembolismo Venoso (TEV)?
O TEV é a formação de coágulos sanguíneos em veias profundas, geralmente nas pernas ou pelve. Quando esses coágulos se deslocam até os pulmões, podem causar uma embolia pulmonar, condição potencialmente grave e até fatal.
Na gravidez e no pós-parto, o corpo da mulher passa por uma série de adaptações que, embora naturais, aumentam o risco de formação de coágulos:
- O sangue se torna mais “grosso” (hipercoagulabilidade), como forma de proteger contra sangramentos.
- Há compressão das veias abdominais e pélvicas pelo útero gravídico.
- A circulação sanguínea pode ficar mais lenta, principalmente com repouso prolongado.
Por que o risco é maior após o parto?
Segundo os principais estudos e diretrizes internacionais (ACOG, RCOG, NICE), o risco de TEV é 5 a 10 vezes maior no puerpério do que fora da gravidez, e ele é ainda mais elevado nas primeiras semanas após o parto, especialmente nos primeiros 10 dias.
O risco é maior ainda nas seguintes situações:
- Parto cesáreo, especialmente de urgência
- Obesidade (IMC ≥30)
- Pré-eclâmpsia ou pressão alta grave na gestação
- Imobilidade no pós-parto
- Histórico prévio de trombose
- Trombofilias (alterações genéticas da coagulação)
- Idade materna avançada, tabagismo, infecção puerperal, entre outros
Quem precisa fazer prevenção?
Nem todas as mulheres precisam de medicação para prevenir a trombose após o parto. A profilaxia farmacológica (uso de anticoagulantes) é indicada para mulheres com risco moderado a alto, como nos seguintes casos:
- Obesidade associada a parto cesáreo
- Pré-eclâmpsia com cesariana
- Mais de 2 fatores de risco associados
- História anterior de TEV ou trombofilias
Já mulheres com risco baixo são orientadas com medidas simples e eficazes, como deambulação precoce (levantar e caminhar logo após o parto), boa hidratação e exercícios leves.
Como é feita a profilaxia medicamentosa?
A prevenção é feita com o uso de heparina de baixo peso molecular, como a enoxaparina, aplicada em injeção subcutânea, geralmente 1 vez ao dia.
A dose é ajustada ao peso da paciente e o tempo de uso varia:
- Em geral, por 10 dias após o parto
- Pode ser estendido até 6 semanas em casos de alto risco
O início do uso da medicação costuma ocorrer entre 6 e 12 horas após o parto, desde que a mulher esteja estável e não haja risco aumentado de sangramento.
Cesárea: maior risco de trombose em comparação ao parto normal
O Brasil é o vice-campeão mundial em cesarianas, e muitas dessas cirurgias são realizadas sem indicação médica real. Embora a cesariana possa ser necessária em algumas situações, é importante saber que ela aumenta de forma significativa o risco de trombose venosa profunda e embolia pulmonar quando comparada ao parto vaginal. Isso ocorre porque a cirurgia envolve maior trauma tecidual, uso de anestesia, maior tempo de repouso no pós-operatório e uma recuperação mais lenta. Estudos mostram que o risco de tromboembolismo pode ser até 4 vezes maior após cesarianas, especialmente quando associadas a outros fatores como obesidade, pré-eclâmpsia e imobilidade. Por isso, proteger a mulher contra intervenções desnecessárias também é proteger sua vida.
Mensagem final: cuidados especiais em situações especiais
Toda mulher merece ser cuidada com individualidade e respeito à sua história, seu corpo e seu momento. No Instituto Nascer, acreditamos que o pós-parto precisa ser tão bem assistido quanto o pré-natal e o parto. E em algumas situações especiais, como a obesidade ou a pré-eclâmpsia, esse cuidado precisa ser ainda mais atento.
A trombose é uma condição grave, mas altamente evitável com medidas simples e eficazes. Fale com sua equipe de saúde, tire dúvidas, e não deixe de seguir as orientações que foram pensadas com carinho e base científica para proteger você e o seu bebê.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
📚 Fontes científicas:
- ACOG Practice Bulletin No. 196: Thromboembolism in Pregnancy (2020)
- RCOG Green-top Guideline 37a: Reducing the Risk of Venous Thromboembolism during Pregnancy and the Puerperium (2022)
- NICE Guideline NG89: Venous thromboembolism in over 16s (2018)
- Uptodate: Prevention of venous thromboembolism in pregnant and postpartum women
