A hemorragia pós-parto (HPP) é uma das principais causas de complicações maternas no mundo. Segundo o Global Maternal Mortality Report da OMS em 2023, afirma que a HPP representa cerca de 27% das mortes maternas em mundo. Ela é mais prevalente em países de baixa ou média renda, onde há atraso no reconhecimento e no tratamento.
Embora o nome pareça assustador, ela é uma condição previsível, tratável e que, quando assistida por equipes qualificadas, pode ter desfecho seguro e positivo — como foi o caso recente de uma paciente nossa no Instituto Nascer.
O que é Hemorragia Pós-Parto?
A HPP é definida como a perda de mais de 500 ml de sangue após parto vaginal ou mais de 1.000 ml após cesariana. Mas mais importante do que o volume absoluto é o impacto clínico da perda, como queda da pressão arterial, taquicardia, palidez, tontura ou necessidade de intervenção.
Ela pode ocorrer logo após o nascimento da placenta (hemorragia pós-parto imediata) ou até 24 horas depois (primária) — e mais raramente entre 24 horas e até 6 semanas após o parto (tardia).
⚠️ Quais são os riscos da HPP?
Vários fatores aumentam o risco de hemorragia, incluindo:
- Trabalho de parto prolongado ou precipitado (muito rápido)
- Útero muito distendido (como em gestações gemelares)
- Placenta prévia ou descolamento prematuro
- Partos instrumentais (fórceps ou vácuo)
- Lacerações genitais extensas
- Cesariana anterior ou atual
- Distúrbios de coagulação
- Uso excessivo de ocitocina
No entanto, a maioria dos casos de HPP ocorre em mulheres sem fatores de risco identificáveis, o que reforça a importância de uma equipe preparada em todos os partos.
✅ Como podemos prevenir?
A principal estratégia de prevenção é chamada de manejo ativo do terceiro estágio do trabalho de parto, recomendada por organizações como a OMS, ACOG, RCOG e FIGO. Ela inclui:
- Administração de uterotônicos profiláticos (ex: ocitocina) logo após o nascimento do bebê
- Tração controlada do cordão umbilical
- Massagem uterina após a saída da placenta
Além disso, hidratação adequada, vigilância contínua da contratilidade uterina e da integridade do canal de parto são essenciais.
E quando a HPP acontece? Como tratamos?
O tratamento da hemorragia pós-parto segue um protocolo estruturado e escalonado:
1. Condutas iniciais e medicamentosas:
- Ocitocina EV: primeiro uterotônico de escolha
- Misoprostol: por via retal ou sublingual
- Ergometrina (quando não contraindicado, como em casos de hipertensão)
- Carbetocina (análoga da ocitocina, com ação mais prolongada)
- Ácido tranexâmico: antifibrinolítico que reduz sangramentos
2. Medidas não farmacológicas:
- Massagem uterina vigorosa
- Correção de lacerações
- Retirada de restos placentários (manual ou curetagem, se indicado)
- Reposição volêmica agressiva com cristaloides e, se necessário, transfusão de sangue
3. Medidas cirúrgicas (em casos refratários):
- Tamponamento uterino com balão de Bakri
- Laparotomia com suturas hemostáticas (ex: técnica de B-Lynch)
- Embolização das artérias uterinas
- Histerectomia (último recurso em casos de instabilidade grave e refratariedade ao tratamento clínico)
Um alerta importante: HPP também acontece em cesarianas!
Apesar do nome “hemorragia pós-parto“, muitas pessoas acreditam que esse risco existe apenas após o parto normal. Isso não é verdade. Cesarianas também apresentam risco significativo de hemorragia, e até com maior gravidade em certos casos. Afinal, trata-se de uma cirurgia de grande porte com potencial de sangramento elevado, especialmente em mulheres com placenta prévia, inserções anômalas (accreta, percreta) ou múltiplas cesarianas anteriores.
📊 Comparativo: Risco de HPP por tipo de parto
Via de parto | Incidência estimada de HPP | Risco relativo | Observações |
---|---|---|---|
Parto vaginal espontâneo | 3% a 5% | — | Menor risco global; maioria dos casos responde bem a ocitocina e massagem uterina. |
Parto vaginal instrumental (fórceps/vácuo) | 5% a 10% | ↑ risco | Maior risco de lacerações e atonia associada a partos difíceis. |
Cesariana eletiva | 6% a 8% | Igual ou maior que vaginal | Risco cirúrgico, atonia uterina por anestesia e ausência de trabalho de parto. |
Cesariana intraparto | 10% a 15% | ↑↑ risco | Maior sangramento, especialmente em falha de progressão, infecção ou urgência. |
Conclusão
Hemorragia pós-parto é uma condição grave, mas que pode ser enfrentada com segurança quando há cuidado baseado em evidências, equipe preparada e respeito às escolhas da mulher. No Instituto Nascer, cada parto é assistido com ciência e humanidade — e mesmo quando situações inesperadas surgem, como a HPP, temos recursos e conhecimento para cuidar com excelência.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Referências:
- World Health Organization. WHO Recommendations: Uterotonics for the prevention of postpartum haemorrhage. 2018.
- American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Practice Bulletin No. 183: Postpartum Hemorrhage, 2017.
- Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG). Green-top Guideline No. 52: Prevention and Management of Postpartum Haemorrhage, 2016.
- FIGO Guidelines on Postpartum Hemorrhage, 2022.
- UpToDate. Postpartum hemorrhage: Management approaches. Atualizado 2024.