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Parto não planejado em casa ou a caminho da maternidade: o que isso nos ensina?

O parto não planejado fora do ambiente hospitalar — seja em casa, no trajeto até a maternidade ou até mesmo em locais públicos — é um evento que, embora raro, ainda acontece com frequência suficiente para merecer atenção da comunidade obstétrica e da sociedade como um todo.

O que é um parto não planejado fora do hospital?

Trata-se de um nascimento que ocorre sem intenção prévia de ser realizado fora do ambiente institucional. Isso difere do parto domiciliar planejado, que é cuidadosamente organizado por equipes experientes e com critérios de elegibilidade bem definidos. O parto não planejado geralmente ocorre por progressão rápida do trabalho de parto, ausência de sinais prévios reconhecidos, ou falha no acesso tempestivo ao serviço de saúde.

Incidência no Brasil e no mundo

Estudos internacionais estimam que partos não planejados fora do hospital representem entre 0,1% a 1,5% dos nascimentos, com variações importantes entre países. Nos Estados Unidos, dados do CDC indicam que cerca de 0,85% dos partos ocorrem fora do hospital, sendo que apenas uma parte desses são planejados. O restante se refere a partos não assistidos ou assistidos de forma improvisada. No Brasil, apesar da escassez de dados sistemáticos, estima-se que entre 1% e 2% dos partos ocorrem fora do ambiente hospitalar sem planejamento prévio, sendo mais frequentes nas regiões mais vulneráveis, com barreiras geográficas ou dificuldades de acesso a serviços de saúde.

Fatores de risco associados

Diversos fatores estão associados ao maior risco de partos não planejados fora do hospital:

  • Trabalho de parto precipitado (duração total menor que 3 horas);
  • Multíparas com histórico de partos rápidos;
  • Falta de reconhecimento dos sinais de trabalho de parto;
  • Distância geográfica da maternidade;
  • Barreiras logísticas e socioeconômicas (falta de transporte, baixa escolaridade, pobreza);
  • Falhas na triagem ou acolhimento nos serviços de saúde;
  • Percepção negativa ou medo do atendimento institucional.

Mulheres que já tiveram partos rápidos no passado ou que vivem longe de serviços obstétricos devem ser acompanhadas com maior atenção e orientações claras para detecção precoce do trabalho de parto.

Quais os riscos de um parto não planejado fora do hospital?

Um parto domiciliar não planejado pode gerar preocupações, mas é importante destacar que, na grande maioria dos casos — especialmente quando a gestação foi saudável e o trabalho de parto evoluiu de forma fisiológica — mãe e bebê evoluem bem. Isso é ainda mais comum em mulheres multíparas com partos anteriores e em situações em que o nascimento ocorre rapidamente, sem tempo hábil para chegar à maternidade.

Os riscos mais relevantes estão associados a situações inesperadas que exigem intervenção médica imediata. Exemplos disso incluem uma hemorragia pós-parto significativa, retenção da placenta ou dificuldade respiratória do recém-nascido logo após o nascimento. Embora essas complicações sejam menos frequentes, elas demandam atenção imediata e, por isso, é essencial buscar atendimento o mais rápido possível após o nascimento — mesmo que tudo pareça bem.

Além disso, é importante lembrar que a ausência de recursos técnicos (como medicamentos, equipamentos de reanimação neonatal e suporte para a mãe) pode limitar a resposta diante de intercorrências. Por isso, mesmo nos partos que evoluem bem, o acompanhamento hospitalar ou de uma equipe treinada deve ser buscado assim que possível, para garantir que tudo siga com segurança.

O que fazer (e o que não fazer) se o parto acontecer de forma inesperada em casa ou a caminho da maternidade

Embora a maioria dos partos não planejados fora do hospital ocorra de maneira segura — principalmente em mulheres multíparas com trabalho de parto rápido — é importante que a pessoa acompanhante saiba manter a calma e adotar condutas simples, seguras e eficazes. Aqui estão 15 dicas práticas que podem fazer a diferença até a chegada do socorro ou a transferência à maternidade.

✅ O que fazer:

  1. Mantenha a calma. A tranquilidade da pessoa que está acompanhando influencia diretamente na mulher em trabalho de parto.
  2. Ajude-a a se deitar ou se posicionar com conforto. Pode ser deitada de lado, sem bloquear o canal de parto, ou semi-sentada se preferir.
  3. Lave bem as mãos ou use álcool gel. Toque o mínimo necessário na mulher ou no bebê.
  4. Use toalhas limpas ou lençóis limpos. Coloque debaixo da mulher para proteger o local e para envolver o bebê após o nascimento.
  5. Permita que o bebê nasça sozinho. Não puxe o bebê. Deixe que ele deslize ao nascer, apoiando suavemente a cabeça e depois o corpo.
  6. Após o nascimento, coloque o bebê diretamente no peito da mãe. Pele a pele ajuda a manter a temperatura, estabilizar a respiração e o batimento cardíaco.
  7. Se o bebê não chorar de imediato, esfregue suavemente as costas com uma toalha seca. Estímulo tátil ajuda a iniciar a respiração.
  8. Cubra o bebê com uma toalha limpa e seca. Mantenha a cabeça coberta, mas deixe o rosto livre.
  9. Não corte o cordão umbilical. Aguarde a chegada da equipe médica. Não é necessário fazer clampeamento imediato.
  10. Observe sinais de sangramento da mãe. Se estiver sangrando muito, peça que ela mantenha as pernas elevadas e pressione suavemente a parte inferior do abdome.
  11. Ligue imediatamente para o SAMU (192) ou leve a mulher e o bebê para o hospital mais próximo. Informe com clareza que houve um parto domiciliar não planejado.

❌ O que NÃO fazer:

  1. Não tente puxar a placenta. Aguarde a sua saída espontânea. A tração pode causar hemorragia grave.
  2. Não introduza as mãos na vagina da mulher. Isso aumenta o risco de infecção.
  3. Não jogue água fria no bebê ou aspire secreções sem necessidade. Apenas seque e aqueça.
  4. Não entre em pânico se o bebê nascer muito rapidamente. A maioria desses partos rápidos evolui bem e de forma segura.

Essas orientações não substituem o atendimento profissional, mas podem ser cruciais para garantir a segurança da mulher e do bebê até a chegada da equipe de saúde.

O que esses partos nos ensinam sobre o modelo obstétrico brasileiro?

Quando um parto ocorre de forma inesperada fora do hospital e ainda assim transcorrendo bem, somos convidados a uma reflexão profunda: por que, numa sociedade que vê o parto como um evento perigoso, cirúrgico e patologizado, tantas mulheres continuam parindo com potência, instinto e autonomia, mesmo sem assistência formal?

Esses partos revelam a força fisiológica do nascimento e o poder do corpo feminino — muitas vezes reprimido pelo medo, pela hipermedicalização e por um sistema que desvaloriza o protagonismo da mulher. Em países como o Brasil, onde o parto normal é frequentemente visto como arriscado e doloroso, e onde a cesariana é norma cultural, esses nascimentos espontâneos nos mostram que o corpo sabe parir, e que o parto não precisa ser sinônimo de sofrimento, mas sim de cuidado e confiança.

Como sociedade, precisamos repensar o modelo de atenção ao nascimento. Valorizar mais o cuidado contínuo, a educação para o parto, o acesso universal e respeitoso aos serviços de saúde e, sobretudo, confiar mais no corpo das mulheres. O parto não precisa ser um evento medicalizado por padrão — ele precisa ser bem acompanhado, com segurança, respeito e humanidade.

Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455

Referências científicas:

  1. American College of Obstetricians and Gynecologists. (2022). Planned Home Birth. ACOG Committee Opinion No. 697.
  2. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Births: Final Data for 2022.
  3. Hutton EK et al. (2019). Perinatal or neonatal mortality among women who intend at the onset of labor to give birth at home versus in hospital: a systematic review and meta-analyses. The Lancet.
  4. Nove A, et al. (2014). Maternal mortality and morbidity associated with unplanned out-of-institution births in developed countries: a systematic review. International Journal of Gynecology & Obstetrics.
  5. Diniz CSG et al. (2021). A cultura da cesariana no Brasil e os desafios para o parto normal. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil.
  6. ACOG. Obstetric Emergency Readiness. Committee Opinion No. 667.
  7. World Health Organization. Intrapartum care for a positive childbirth experience, 2018.
  8. NHS. “What to do if your baby is coming and you can’t get to hospital in time”.
  9. UpToDate. “Unplanned out-of-hospital birth”.
  10. Brazilian Ministry of Health. Caderno de Atenção ao Parto Normal.

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