A pré-eclâmpsia (PE) é uma condição hipertensiva da gestação caracterizada por hipertensão e disfunção de órgãos-alvo, como rins, fígado e sistema nervoso central, que afeta cerca de 3 a 8% das gestações em todo o mundo. Embora os sinais clínicos da pré-eclâmpsia geralmente se resolvam após o parto, as implicações dessa condição para a saúde cardiovascular da mulher se estendem muito além da gravidez.
Existe risco de doença cardiovascular no futuro após uma pré-eclâmpsia?
Sim, mulheres que tiveram pré-eclâmpsia apresentam um risco significativamente aumentado de desenvolver doenças cardiovasculares (DCV) ao longo da vida. Esse risco é bem documentado em revisões sistemáticas e metanálises robustas publicadas nos últimos anos.
Quais os riscos específicos?
De acordo com uma revisão sistemática e metanálise publicada no Circulation (2021) que incluiu mais de 13 milhões de mulheres, a pré-eclâmpsia está associada aos seguintes riscos ao longo da vida:
- 4 vezes mais risco de hipertensão crônica
- 2 vezes mais risco de doença arterial coronariana
- 1,8 vezes mais risco de insuficiência cardíaca
- 1,8 vezes mais risco de AVC isquêmico
- 1,7 vezes mais risco de morte cardiovascular
- Maior risco de síndrome metabólica e diabetes tipo 2
O risco é ainda maior nas mulheres que apresentaram PE com início precoce (<34 semanas), PE grave ou com necessidade de parto prematuro.
Por que isso acontece?
A pré-eclâmpsia é considerada uma “janela para a saúde vascular futura”. A fisiopatologia subjacente envolve disfunção endotelial, inflamação sistêmica, estresse oxidativo, remodelamento vascular anormal e predisposição genética/metabólica — fatores que também estão presentes nas doenças cardiovasculares.
Portanto, a PE pode não ser apenas um “evento isolado”, mas sim um primeiro marcador clínico de uma suscetibilidade cardiovascular subjacente.
Quais cuidados essas mulheres devem ter ao longo da vida?
A diretriz da ACOG (2024), bem como o guideline do RCOG (Green-top Guideline No. 71) e recomendações do NICE, sugerem um plano de acompanhamento e prevenção secundária para mulheres com histórico de PE, especialmente nas formas graves ou recorrentes:
Recomendações práticas:
- Rastreio regular de fatores de risco cardiovascular:
- Pressão arterial a cada 1–2 anos
- Perfil lipídico a cada 5 anos
- Glicemia de jejum ou HbA1c a cada 3–5 anos
- IMC, circunferência abdominal e avaliação de hábitos de vida
- Promoção de um estilo de vida cardioprotetor:
- Dieta do tipo mediterrânea ou DASH
- Prática regular de atividade física (150 min/semana)
- Cessação do tabagismo
- Controle do peso e do estresse
- Aconselhamento reprodutivo e planejamento pré-concepcional:
- Monitoramento mais próximo em gestações futuras
- Início precoce de AAS (100–150 mg/dia) a partir de 12 semanas em gestações subsequentes
- Encaminhamento a um cardiologista ou especialista em saúde cardiovascular da mulher, especialmente se houver múltiplos fatores de risco ou histórico de PE grave/recorrente.
- Educação e empoderamento feminino:
- Muitas mulheres desconhecem o vínculo entre PE e risco cardiovascular. A informação adequada e o rastreio precoce são ferramentas fundamentais de prevenção.
Reflexão Final
Durante muito tempo, a obstetrícia se concentrou nos desfechos perinatais imediatos da pré-eclâmpsia. Hoje sabemos que a gestação é um marcador de saúde futura, e a pré-eclâmpsia deve ser considerada um fator de risco cardiovascular tão relevante quanto hipertensão, dislipidemia ou tabagismo.
Incorporar esse conhecimento na prática clínica é uma oportunidade de transformar um evento adverso da gravidez em uma estratégia de prevenção a longo prazo. Mulheres que passaram por PE precisam de seguimento, cuidado interdisciplinar e acesso à informação clara e baseada em evidência. Ao cuidar bem delas após a gestação, estamos investindo em décadas de vida saudável.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Fontes e Evidências Científicas
- Brown MC et al. “Long-term risk of cardiovascular disease in women with a history of preeclampsia.” Circulation. 2013;127(8):899–908. doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.112.128635
- Wu P et al. “Association of Pregnancy Complications With Risk of Cardiovascular Disease Later in Life: A Systematic Review and Meta-analysis.” JAMA. 2021;325(24):2437–2448. doi:10.1001/jama.2021.7540
- ACOG Practice Bulletin No. 222: Gestational Hypertension and Preeclampsia. Obstet Gynecol. 2020;135(6):e237–e260.
- RCOG Green-top Guideline No. 71: Hypertension in Pregnancy (2019)
- NICE Guideline NG133: Hypertension in pregnancy: diagnosis and management. March 2019.
- Cochrane Pregnancy and Childbirth Group. “Postnatal care for women with hypertensive disorders of pregnancy.” (Atualizações até 2023).