O sangramento vaginal no primeiro trimestre é uma queixa comum na gestação e frequentemente é motivo de grande angústia para a mulher e sua família. Apesar de assustar, nem todo sangramento significa perda gestacional. Entender suas possíveis causas, quando se preocupar e quais medidas podem ser tomadas faz parte de um cuidado obstétrico acolhedor, seguro e baseado em evidências.
Neste artigo, vamos esclarecer os principais pontos sobre o sangramento no início da gestação — também chamado de ameaça de abortamento — com respaldo nas diretrizes científicas mais atualizadas.
O que é sangramento no primeiro trimestre?
Chamamos de primeiro trimestre o período que vai da concepção até 12 semanas completas de gestação. Nesse intervalo, até 20% das mulheres grávidas apresentam algum tipo de sangramento vaginal. Em muitos casos, esse sangramento é leve, autolimitado e sem maiores repercussões.
Porém, quando o sangramento ocorre em uma gestação intrauterina confirmada, com embrião vivo e colo uterino fechado, usamos o termo ameaça de aborto — um quadro clínico que requer avaliação cuidadosa e acompanhamento atento.
Quais são as principais causas de sangramento no início da gestação?
O sangramento pode ter origem fisiológica ou patológica. As causas mais comuns incluem:
✅ Causas benignas e autolimitadas
- Sangramento de implantação: ocorre geralmente entre 6 e 12 dias após a concepção, quando o embrião se fixa na parede do útero.
- Fragilidade do colo uterino: o aumento da vascularização pode causar sangramentos leves após relação sexual ou exame ginecológico.
- Pólipos cervicais: alterações benignas do colo que podem sangrar espontaneamente.
⚠️ Causas que exigem investigação e acompanhamento
- Ameaça de aborto: gestação viável com sangramento vaginal, mas com risco aumentado de progressão para perda.
- Abortamento em curso ou completo: quando há dilatação do colo, dor e sangramento mais intenso.
- Gravidez ectópica: implantação fora do útero, geralmente nas tubas uterinas. É uma emergência médica.
- Gestação molar (doença trofoblástica gestacional): forma anormal de gravidez, caracterizada por crescimento anômalo do tecido placentário.
Quais exames são indicados na investigação?
O diagnóstico e a conduta devem sempre considerar o quadro clínico, o tempo gestacional e a história da paciente. Os principais exames são:
- Ultrassonografia transvaginal: permite avaliar localização da gestação, presença de embrião, batimentos cardíacos, hematomas, entre outros.
- Dosagem de β-hCG sérico: ajuda a avaliar a evolução da gestação (em gestações muito iniciais ou incertas).
- Exame especular: importante para avaliar sangramento local, pólipos ou sinais de infecção.
- Exame físico e sinais vitais: para descartar instabilidade hemodinâmica ou dor aguda.
O que pode ser feito?
A conduta vai depender da causa do sangramento. Em casos de ameaça de aborto, com embrião viável e sem sinais de instabilidade, o manejo costuma ser expectante e conservador. As principais medidas incluem:
Acompanhamento clínico
- Repetição da ultrassonografia em 7 a 10 dias, se necessário.
- Monitoramento dos sintomas e acolhimento da paciente.
Progesterona vaginal (quando indicada)
De acordo com o estudo PRISM Trial (2019) e as diretrizes do NICE (2021) e do RCOG (2023), o uso de progesterona vaginal pode reduzir o risco de perda gestacional em mulheres com sangramento no 1º trimestre E história de uma ou mais perdas anteriores.
- Dose recomendada: 400 mg de progesterona micronizada via vaginal, 2x ao dia.
- Duração: até 16 semanas de gestação.
- Não está indicada rotineiramente para todas as mulheres com sangramento.
Evitar medicalizações desnecessárias
- Não há evidência para o uso de antibióticos, repouso absoluto, hormônios em mulheres sem indicação clara, ou uso indiscriminado de anti-inflamatórios.
- O repouso relativo pode ser orientado apenas se a mulher sentir desconforto físico, mas não há evidência de que repouso evite abortamento.
Quando procurar atendimento de urgência?
A mulher deve ser orientada a procurar atendimento imediatamente se apresentar:
- Aumento do sangramento (como menstruação forte ou mais).
- Dor abdominal intensa.
- Tontura, queda de pressão ou palidez.
- Febre ou sinais de infecção.
- Ausência de batimentos cardíacos fetais após ultrassonografia de controle.
E o impacto emocional?
O sangramento no início da gestação é sempre um momento de grande tensão emocional. Estudos mostram que esse evento pode estar associado a quadros de ansiedade e até sintomas depressivos. Por isso, além do cuidado técnico, é fundamental oferecer acolhimento, escuta ativa e informação clara e empática.
No Instituto Nascer, acreditamos que cuidar da mulher é tão importante quanto cuidar da gestação. Oferecemos suporte interdisciplinar com psicologia, obstetrícia e, quando necessário, acompanhamento em perdas gestacionais.
Considerações finais
O sangramento no primeiro trimestre deve ser avaliado com seriedade, mas nem sempre indica um aborto inevitável. Em muitos casos, a gestação prossegue normalmente e o bebê nasce saudável. O mais importante é garantir um cuidado baseado em evidências, individualizado e humanizado.
Se você está passando por essa situação, saiba que não está sozinha. Procure sua equipe de cuidado, esclareça suas dúvidas e confie em um acompanhamento respeitoso e científico.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Fontes e Evidências Científicas
- Coomarasamy A, et al. A progesterone in women with bleeding in early pregnancy (PRISM trial). The Lancet. 2019;394(10104):1993–2001.
- NICE Guideline NG126: Ectopic pregnancy and miscarriage: diagnosis and initial management. Updated 2021.
- Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG). Green-top Guideline No. 17: Recurrent miscarriage. Updated 2023.
- American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Practice Bulletin No. 200: Early Pregnancy Loss. Obstet Gynecol. 2018.
- Cochrane Database of Systematic Reviews. Progesterone for preventing miscarriage in women with early pregnancy bleeding. 2021.