Instituto Nascer

Soroterapia em gestantes: riscos da banalização

A Banalização da Soroterapia e os Riscos para Gestantes

Recentemente, o Brasil foi abalado por uma notícia devastadora: uma gestante de 32 anos, em sua 34ª semana de gravidez, morreu após receber um coquetel de vitaminas intravenoso em uma farmácia. Segundo a família, ela apresentava sintomas leves de gripe e procurou o serviço para “reforçar a imunidade”. O procedimento, realizado sem prescrição médica e em um ambiente sem estrutura hospitalar, resultou em um provável choque anafilático. A mãe e o bebê morreram.

Essa tragédia não é um caso isolado, mas sim o retrato de um fenômeno preocupante que vem crescendo nos últimos anos: a banalização da soroterapia no Brasil. Conhecida popularmente como “soro da beleza”, “soro da imunidade”, “soro do sono” ou “soro da energia”, essa prática tem se difundido com promessas de bem-estar imediato, melhora da performance física e reforço do sistema imunológico. No entanto, essas alegações muitas vezes carecem de respaldo científico sólido e, pior ainda, vêm sendo aplicadas sem critérios clínicos claros, sem prescrição médica adequada e, frequentemente, em locais sem segurança assistencial mínima.

O perigo para gestantes: uma linha tênue entre o cuidado e o risco

No caso das gestantes, a situação se torna ainda mais crítica. O uso de qualquer substância intravenosa durante a gravidez precisa respeitar rigorosos critérios de segurança, com avaliação individualizada dos riscos e benefícios. Ainda assim, temos observado um aumento expressivo do uso de ferro venoso e outras infusões vitamínicas em grávidas sem diagnóstico de deficiência comprovada ou falha terapêutica da via oral.

De acordo com diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), ACOG (American College of Obstetricians and Gynecologists) e o NICE (National Institute for Health and Care Excellence), a via venosa deve ser restrita a casos específicos, como intolerância gastrointestinal severa, necessidade urgente de reposição ou anemia refratária à suplementação oral. Fora dessas indicações, o risco supera o benefício.

Além disso, medicamentos injetáveis, especialmente vitaminas hidrossolúveis como a tiamina (vitamina B1), podem provocar reações adversas graves, incluindo anafilaxia — uma reação alérgica grave, de rápida evolução e potencialmente fatal, como demonstrado no caso citado.

A ilusão dos “soros milagrosos”

A popularização da soroterapia se baseia na promessa do “efeito rápido”, da “solução mágica” — algo muito sedutor em tempos de fadiga crônica, baixa imunidade e pressão estética. Entretanto, o que está por trás muitas vezes é um mercado que lucra com a ansiedade, o cansaço e a desinformação das pessoas.

A via venosa, que deveria ser reservada a situações de real necessidade médica, virou um instrumento comercializado como cosmético ou suplemento, sem qualquer regulamentação robusta por parte dos órgãos competentes, nem preparo adequado da maioria dos locais que oferecem esses serviços.

O que precisamos defender: ciência, ética e cuidado

É fundamental, sobretudo no cuidado à gestante, que haja um retorno à medicina baseada em evidências e à ética assistencial. Precisamos questionar práticas que oferecem riscos desnecessários, mesmo quando feitas com a melhor das intenções. Defender o uso criterioso da soroterapia não é negar sua utilidade em situações indicadas — mas sim proteger as mulheres e seus bebês da medicalização excessiva, da mercantilização do cuidado e do risco evitável.

No Instituto Nascer, seguimos firmemente comprometidos com um cuidado à saúde centrado na mulher, interdisciplinar e baseado em evidências científicas. A gestação é um período de vulnerabilidade, mas também de potência — e merece ser tratada com responsabilidade, segurança e respeito.

Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455

Fontes científicas:

  • World Health Organization. Guideline: Daily iron supplementation in pregnant women. Geneva: WHO, 2016.
  • ACOG Practice Bulletin No. 95. Anemia in Pregnancy. Obstet Gynecol. 2008;112(1):201–7.
  • NICE. Antenatal care for uncomplicated pregnancies. Clinical guideline [CG62]. 2021.
  • Cochrane Database of Systematic Reviews. Parenteral versus oral iron therapy for iron deficiency anaemia in pregnancy.

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