O nascimento de um bebê é um evento poderoso, mas também é um processo físico intenso. Um dos protagonistas silenciosos desse momento é o assoalho pélvico — a estrutura muscular e ligamentar que sustenta os órgãos pélvicos e participa de funções essenciais como continência urinária e fecal, sustentação abdominal e, claro, o parto.
Cuidar do assoalho pélvico no pós-parto, com ou sem laceração, com ou sem dor, é fundamental para promover uma recuperação saudável, prevenir disfunções e restaurar o bem-estar da mulher.
O que é o assoalho pélvico?
O assoalho pélvico é um conjunto de músculos, fáscias e ligamentos que fecha a parte inferior da pelve, sustentando a bexiga, o útero e o reto. Durante a gravidez e o parto, ele sofre importantes adaptações: sustenta o peso do útero em crescimento e, no parto vaginal, se estira para permitir a passagem do bebê.
Esse processo de estiramento pode causar, temporária ou permanentemente, alterações de força, tônus, controle e sensibilidade. E por isso, o cuidado no pós-parto é tão essencial — mesmo quando tudo correu “bem”.
Com ou sem laceração, o assoalho pélvico precisa de atenção
Existe um mito de que só é necessário cuidar do períneo no pós-parto se houver laceração ou episiotomia. Mas a ciência mostra que mesmo em partos com períneo íntegro, o assoalho pélvico pode apresentar alterações:
- Dor perineal ou pélvica;
- Sensação de peso ou pressão;
- Incontinência urinária ou fecal;
- Dificuldade ou dor nas relações sexuais.
Por isso, o ideal é que todas as mulheres recebam orientações e acompanhamento de rotina para a saúde pélvica após o parto — incluindo aquelas que fizeram cesariana.
Cuidados nos primeiros dias
Nos primeiros dias após o parto, alguns incômodos são normais, especialmente se houve laceração ou episiotomia. Veja algumas recomendações com base em guias atualizados:
Se houve laceração e/ou sutura:
- Higiene suave com água morna e sabão neutro, apenas externamente;
- Evitar fricção excessiva ou papel higiênico áspero (usar água e toalhas macias);
- Uso de compressas frias nas primeiras 48 horas para aliviar edema e dor;
- Evitar ficar sentada por longos períodos contínuos; use almofadas especiais se necessário;
- Analgésicos prescritos e cuidados com o uso de laxantes leves, se necessário, para evitar esforço evacuatório.
Mesmo sem laceração:
- O períneo pode ficar sensível, edemaciado ou com sensação de peso;
- Compressas frias, banhos de assento suaves e descanso ajudam;
- Não é necessário “não sentar”, mas sim alternar posições, andar um pouco e descansar com frequência.
O papel da fisioterapia obstétrica no puerpério
A fisioterapia pélvica é uma grande aliada na recuperação funcional do assoalho pélvico. As diretrizes do NICE, da Cochrane e do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) indicam que exercícios supervisionados podem:
- Prevenir ou tratar incontinência urinária pós-parto;
- Ajudar na recuperação da força muscular e controle do assoalho pélvico;
- Contribuir para o retorno à atividade sexual sem dor;
- Reduzir a sensação de peso ou “queda” pélvica;
- Apoiar o bem-estar emocional, favorecendo autoestima e autoconfiança.
Idealmente, toda mulher (independente da via de parto) deveria passar por uma avaliação fisioterapêutica especializada entre 4 a 6 semanas após o parto, mesmo que não apresente sintomas.
E o retorno às relações sexuais?
O retorno à vida sexual após o parto é um momento que merece sensibilidade. Se houver lacerações, o tecido pode demorar algumas semanas para cicatrizar completamente. A queda hormonal no puerpério pode reduzir a lubrificação, aumentando a sensibilidade local.
Por isso, recomendamos:
- Lubrificantes à base de água, se necessário;
- Posições confortáveis e sem pressão no períneo;
- Comunicação aberta com o(a) parceiro(a);
- Buscar ajuda se houver dor persistente ou medo.
Cuidados para todos os tipos de parto
Mesmo nas cesarianas, o assoalho pélvico pode ser afetado. Estudos mostram que a gestação em si já exerce sobrecarga sobre a musculatura pélvica. Por isso, os cuidados preventivos e a fisioterapia também beneficiam mulheres que não pariram por via vaginal.
Quando procurar ajuda?
Consulte uma profissional especializada em fisioterapia pélvica ou sua equipe obstétrica se houver:
- Dor persistente no períneo além de 2 a 3 semanas;
- Incontinência urinária ou fecal;
- Sensação de “bola” ou pressão vaginal;
- Dor nas relações sexuais;
- Medo de evacuar ou dificuldade para urinar.
Quando a fisioterapia pélvica deve começar mais precocemente?
Embora a maioria das mulheres possa iniciar a reabilitação do assoalho pélvico entre 4 a 6 semanas após o parto, existem situações em que uma avaliação mais precoce — por volta da segunda semana do puerpério — pode ser indicada e benéfica. Isso vale especialmente para mulheres com fatores de risco obstétricos que aumentam a chance de disfunção perineal ou pélvica, como:
- Parto vaginal com fórceps ou vácuo extrator;
- Peso fetal elevado, especialmente acima de 4.000g (macrossomia);
- Período expulsivo prolongado (superior a 2-4 horas, segundo ACOG);
- Lacerações perineais de segundo grau extenso, terceiro ou quarto grau;
- Sensação precoce de incontinência urinária, escape de gases ou fezes;
- Dor intensa ou persistente no períneo nas primeiras duas semanas;
- Sensação de queda, abaulamento ou pressão vaginal precoce.
Nestes casos, o encaminhamento precoce à fisioterapia pélvica especializada pode prevenir complicações, promover melhor cicatrização, aliviar sintomas e acelerar a recuperação funcional — devolvendo conforto e segurança no puerpério.
Conclusão
Cuidar do assoalho pélvico é um gesto de respeito com o corpo que gerou, sustentou e trouxe à luz um novo ser. No Instituto Nascer, entendemos que a recuperação pós-parto não é apenas sobre cicatrização física, mas também sobre dignidade, funcionalidade e bem-estar. Oferecer um cuidado que vai além do visível é parte da nossa missão.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Referências:
- NICE Guideline NG121 – Intrapartum care for healthy women and babies (Updated 2021)
- Cochrane Review (2017): Pelvic floor muscle training for preventing and treating urinary and fecal incontinence in antenatal and postnatal women
- Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG): Perineal care after childbirth (2021)
- American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG): Optimizing Postpartum Care. Obstet Gynecol 2018;131:e140–e150.
- International Urogynecology Journal (2020): Postpartum pelvic floor dysfunction: prevalence, risk factors, and impact