Durante a gravidez, é comum que a mulher perceba muitas mudanças no seu corpo — mas quando a coceira intensa aparece nas palmas das mãos e nas plantas dos pés, principalmente à noite, é hora de acender o alerta. Esse pode ser um sinal de uma condição chamada Colestase Intra-hepática da Gestação (CIG), uma alteração hepática exclusiva da gravidez que merece cuidado imediato.
O que é a Colestase Gestacional?
A colestase gestacional é uma condição em que o fluxo da bile — um líquido produzido pelo fígado — fica prejudicado, levando ao acúmulo de ácidos biliares no sangue da gestante. Esse acúmulo provoca prurido (coceira) intenso e difuso, especialmente nas mãos e pés, sem lesões de pele.
Ela costuma surgir no terceiro trimestre, mas pode aparecer mais cedo, especialmente em mulheres com predisposição genética ou histórico em gestações anteriores.
Qual a incidência?
A incidência varia conforme a população:
- Mundialmente: entre 0,5% a 2% das gestações
- América Latina (incluindo o Brasil): pode chegar a 5%
- Gestações múltiplas, fertilização in vitro, histórico familiar ou etnia indígena/andina aumentam a prevalência
Quais são as causas e fatores de risco?
A colestase é considerada uma condição multifatorial, com componentes hormonais, genéticos e ambientais. Entre os principais fatores de risco, estão:
- Histórico pessoal ou familiar de colestase gestacional
- Gestação múltipla
- Uso de anticoncepcionais hormonais no passado com prurido
- Doenças hepáticas prévias
- Fertilização in vitro
- Etnia (maior prevalência em descendentes de indígenas ou europeus nórdicos)
Quais são os riscos da Colestase?
Embora a colestase possa parecer “inofensiva” por causar apenas coceira, ela pode representar riscos sérios para o bebê, especialmente em casos mais graves:
Riscos fetais:
- Sofrimento fetal agudo
- Óbito intrauterino súbito e imprevisível (maior risco com ácidos biliares ≥100 µmol/L)
- Prematuridade (espontânea ou iatrogênica)
- Eliminação de mecônio intraútero
- Taquicardia ou bradicardia fetal
Riscos maternos:
- Desconforto severo
- Insônia e impacto emocional
- Aumento discreto das enzimas hepáticas
- Maior risco de colestase em futuras gestações
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico é clínico e laboratorial, e deve ser suspeitado sempre que houver prurido sem lesões de pele, especialmente palmo-plantar e noturno.
Exames recomendados:
- Dosagem de ácidos biliares totais (≥10 µmol/L confirma o diagnóstico)
- TGO, TGP e bilirrubinas
- GGT e fosfatase alcalina (menos específicos)
- Ultrassonografia hepato-biliar para afastar outras causas
⚠️ Importante: O resultado dos ácidos biliares pode demorar alguns dias. Se o quadro clínico for típico, deve-se iniciar o tratamento antes da confirmação.
Qual é o tratamento?
O tratamento visa aliviar os sintomas e reduzir os riscos fetais.
Tratamento medicamentoso:
- Ácido ursodesoxicólico (UDCA): 10–15 mg/kg/dia dividido em 2–3 doses
- Melhora o prurido e reduz os níveis de ácidos biliares
- Anti-histamínicos (como adjuvantes para o desconforto)
- Corticoide em casos muito graves (pouco usado atualmente)
Monitoramento fetal:
- CTG seriado 2x por semana
- Perfil biofísico fetal semanal
- Avaliação do crescimento fetal e do líquido amniótico
Quando interromper a gestação?
A decisão de interromper depende dos níveis de ácidos biliares, da intensidade dos sintomas e do risco obstétrico associado.
Ácidos biliares totais | Conduta |
---|---|
≥10 e <40 µmol/L | Avaliar caso a caso; considerar interrupção entre 36–37 semanas |
≥40 µmol/L | Interrupção indicada entre 36–37 semanas |
≥100 µmol/L | Interrupção a partir de 34 semanas, após corticoide |
Sintomas intensos e exames alterados, mesmo sem ácidos biliares disponíveis | Pode-se iniciar tratamento e planejar interrupção precoce, com base clínica |
Colestase não é sinônimo de cesariana!
É fundamental esclarecer: ter colestase gestacional não significa precisar de cesárea. O que importa é o momento ideal para interromper a gestação, o que pode ser feito por parto vaginal com segurança, desde que a assistência seja baseada em vigilância fetal rigorosa, equipe preparada e parto respeitoso.
Conclusão
A colestase gestacional é uma condição que precisa ser reconhecida e acompanhada com atenção, pois pode parecer simples, mas representa riscos graves para o bebê se não for diagnosticada e tratada adequadamente.
Se você está grávida e sentiu uma coceira diferente, principalmente nas mãos e pés, converse com sua equipe de pré-natal. Cuidar dos detalhes é proteger o nascimento!
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Fontes:
- ACOG Practice Bulletin No. 189 – Intrahepatic Cholestasis of Pregnancy, 2018
- RCOG Green-top Guideline No. 43 – Obstetric Cholestasis, 2022
- NICE Guideline NG133 – Intrahepatic Cholestasis of Pregnancy, 2023
- UpToDate – Intrahepatic cholestasis of pregnancy: Management and outcome, 2024
- Cochrane Database – Ursodeoxycholic acid for intrahepatic cholestasis of pregnancy, 2019