O trabalho de parto é um processo fisiológico e, ao mesmo tempo, profundamente transformador na vida de uma mulher. A dor faz parte dessa experiência, mas nem sempre é bem compreendida. Quando intensa, mal controlada ou associada a medo e ansiedade, a dor pode deixar de ser apenas um sintoma para se tornar um verdadeiro obstáculo. É nesse contexto que falamos em distocia álgica.
O que é distocia álgica?
“Distocia algica” não é um nomenclatura médica padrão. O termo “distocia” significa dificuldade no progresso do parto e a palavra “álgica” significa “relativo a dor”. Desta forma a “distocia álgica” descreve uma situação em que a dor excessiva, desproporcional ou mal manejada interfere negativamente na evolução do trabalho de parto.
Não se trata de um problema mecânico (como a posição do bebê ou o tamanho da pelve), mas sim de uma alteração funcional causada pela dor.
Como a dor interfere no parto?
A dor intensa pode levar à liberação aumentada de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina). Esse aumento do tônus simpático pode:
- Reduzir a oxigenação uteroplacentária;
- Tornar as contrações menos eficazes e mais dolorosas;
- Gerar resistência involuntária da musculatura do assoalho pélvico à descida do bebê;
- Prolongar o trabalho de parto e aumentar o risco de intervenções médicas.
Além dos aspectos fisiológicos, há também o impacto emocional: a mulher pode se sentir exausta, com medo e menos confiante, o que aprofunda ainda mais o ciclo de dor e tensão.
Como prevenir e tratar a distocia álgica?
A boa notícia é que a distocia álgica pode ser prevenida e manejada com um cuidado integral à mulher. As principais estratégias incluem:
- Suporte contínuo durante o parto: a presença de uma equipe multiprofissional, doula ou acompanhante de confiança reduz a percepção de dor e o risco de distocias (Cochrane, 2017).
- Métodos não farmacológicos: movimentação livre, posições verticais, banho quente, bola de parto, massagem e técnicas de respiração ajudam no alívio da dor.
- Analgesia farmacológica: a analgesia peridural é considerada o método mais eficaz e seguro para controle da dor no parto, sem aumentar as taxas de cesariana quando bem indicada (ACOG, 2021; NICE, 2014). O uso de óxido nitroso também pode ser uma alternativa eficaz em alguns contextos.
- Ambiente adequado: respeito, privacidade e acolhimento reduzem ansiedade e facilitam o trabalho de parto.
A dor no parto e as cesarianas no Brasil
No Brasil, vivemos um paradoxo. De um lado, somos um dos países com maior número de intervenções desnecessárias no processo fisiológico do parto, como cesarianas sem indicação clínica e uso rotineiro de práticas pouco baseadas em evidências. De outro, ainda existe uma enorme negligência em relação ao direito das mulheres ao alívio da dor no parto. Segundo o inquérito nacional Nascer no Brasil, apenas 14,5% das mulheres atendidas pelo SUS tiveram acesso à anestesia peridural durante o parto vaginal — um número que revela desigualdade, falta de acesso e um modelo de cuidado ainda distante do que a ciência recomenda. Diante desse cenário, fica a reflexão: será que no Brasil, o manejo inadequado da dor no parto, não é também uma das causas de tantas cesarianas desnecessárias, resultantes de trabalhos de parto disfuncionais provocados pela dor?
O papel do cuidado humanizado
A distocia álgica reforça uma lição importante: o parto não é apenas fisiologia, é também experiência. Quando a mulher é respeitada, cuidada e tem acesso a estratégias eficazes para o alívio da dor, o parto tende a evoluir melhor e com mais satisfação.
No Instituto Nascer acreditamos que cuidar da dor é cuidar da mulher. O alívio da dor não é luxo, é direito — e também ciência.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 3445
Referências
- ACOG Practice Bulletin No. 209: Obstetric Analgesia and Anesthesia. Obstet Gynecol. 2021.
- NICE. Intrapartum care for healthy women and babies. Clinical guideline [CG190]. 2014.
- Cochrane Review: Hodnett ED et al. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database Syst Rev. 2017.
- Anim-Somuah M, Smyth RMD, Cyna AM, Cuthbert A. Epidural versus non-epidural or no analgesia for pain management in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2018.