O câncer de colo do útero é uma das doenças mais preveníveis da atualidade. Ele é causado, em quase 100% dos casos, pela infecção persistente por tipos oncogênicos do papilomavírus humano (HPV), principalmente os tipos 16 e 18, responsáveis por até 70% dos casos em todo o mundo.
Durante décadas, o exame de Papanicolau foi a principal estratégia de rastreamento no Brasil e no mundo. Ele salvou milhões de vidas, permitindo detectar lesões pré-cancerosas e tratá-las antes que evoluíssem para câncer. Mas a ciência avançou, e hoje sabemos que há formas mais eficazes de identificar precocemente quem realmente está em risco.
O que muda com o teste de HPV?
O teste molecular de HPV detecta diretamente a presença dos tipos de alto risco do vírus. Estudos demonstram que sua sensibilidade para identificar lesões precursoras de câncer é de 90 a 95%, contra cerca de 50 a 60% do Papanicolau. Isso significa que o exame é muito mais preciso para identificar mulheres que precisam de acompanhamento.
Outra grande vantagem é a possibilidade de ampliar o intervalo entre os exames. Enquanto o Papanicolau precisava ser repetido a cada 3 anos, o teste de HPV, quando negativo, só precisa ser repetido a cada 5 anos, pois a chance de desenvolver câncer nesse período é extremamente baixa.
Importante destacar: o Papanicolau não desaparece. Ele continua sendo usado como exame complementar (chamado de “citologia reflexa”) quando o teste de HPV é positivo, ajudando a definir se já existem alterações celulares que exigem investigação adicional.
Como será no Brasil?
O Ministério da Saúde anunciou em 2023 a implantação progressiva do teste de HPV como exame primário de rastreamento para mulheres de 25 a 64 anos. Isso está alinhado com recomendações internacionais de instituições como:
- Organização Mundial da Saúde (OMS)
- American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG)
- Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG)
- National Institute for Health and Care Excellence (NICE – Reino Unido)
Em todos esses países e entidades, a diretriz é a mesma: o rastreamento deve ser baseado no HPV, com a citologia servindo como exame complementar.
O impacto para as mulheres
Essa mudança pode gerar dúvidas, especialmente em quem sempre associou a prevenção do câncer do colo apenas ao Papanicolau. Mas a mensagem central é tranquilizadora: o rastreamento está ficando mais moderno, mais seguro e mais eficaz.
- Se o teste de HPV der negativo, a mulher está protegida e só precisa repetir o exame em 5 anos.
- Se der positivo, entra em ação o Papanicolau para avaliar se já há alguma alteração celular. Dependendo do resultado do Papanicolau, cria-se então um novo plano de cuidados.
Assim, cada mulher recebe o cuidado certo, no momento certo, com base em evidências científicas.
O impacto para a ginecologia
Esse movimento também reforça uma reflexão importante sobre o papel do ginecologista. Se antes muitos profissionais limitavam sua prática às coletas anuais de Papanicolau, agora é hora de ampliar o olhar: o ginecologista deve assumir seu papel de médico da saúde integral da mulher, cuidando não apenas da prevenção do câncer, mas também da saúde sexual, reprodutiva, mental e do bem-estar em todas as fases da vida.
Conclusão
A transição do Papanicolau para o teste de HPV é uma conquista para a saúde da mulher. Significa rastreamento mais eficaz, menos exames desnecessários e mais foco em quem realmente precisa de acompanhamento.
No Instituto Nascer, acreditamos que essa mudança é também um convite para repensar o cuidado em ginecologia: menos burocracia e mais saúde preventiva, acolhimento e protagonismo feminino. Afinal, prevenir câncer é importante, mas cuidar da mulher em sua totalidade é essencial.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Referências:
- Organização Mundial da Saúde (OMS). Guidelines for screening and treatment of cervical pre-cancer lesions for cervical cancer prevention. 2ª edição. Geneva: World Health Organization; 2021.
- Ministério da Saúde (Brasil). Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. Brasília: Ministério da Saúde; 2023.
- The American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Practice Bulletin No. 168: Cervical Cancer Screening and Prevention. Obstet Gynecol. 2021;138(2):e1–e19.
- Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG). Cervical screening: programme standards. London: RCOG; 2022.
- National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Cervical screening: programme overview. NICE Pathways. Atualizado em 2023.