O nascimento de um bebê é um evento único e transformador na vida de uma mulher e de sua família. O parto é um processo fisiológico, mas ao longo do tempo se transformou em um campo de excessivas intervenções, muitas vezes sem respaldo científico. No Brasil, esse cenário é ainda mais marcante: somos campeões mundiais de cesarianas e, ao mesmo tempo, um país onde o parto normal costuma ser associado à dor, sofrimento e até violência.
Mas será que o parto precisa ser assim? Estudos robustos mostram que, quando respeitamos a fisiologia e oferecemos cuidado baseado em evidências, a experiência do parto tende a ser mais segura, positiva e satisfatória. Por outro lado, alguns erros comuns podem atrapalhar a evolução natural do trabalho de parto, aumentando riscos e frustrações.
1. Falta de informação e preparo durante a gestação
A ausência de educação perinatal é um dos principais fatores que fragilizam a mulher diante do parto. Quando a gestante não entende como o corpo funciona, desconhece seus direitos ou não sabe quais recursos estão disponíveis para o alívio da dor, aumenta a ansiedade, o medo e a percepção negativa do processo.
- A preparação com cursos, rodas de conversa e acompanhamento multiprofissional fortalece o protagonismo da mulher e reduz intervenções desnecessárias (NICE, 2014; Cochrane, 2017).
2. Excesso de intervenções precoces
Procedimentos realizados sem indicação clínica clara — como ruptura artificial precoce da bolsa, uso rotineiro de ocitocina, analgesia em momento inapropriado ou restrição ao leito — podem desorganizar a fisiologia do parto.
- A OMS (2018) alerta que a prática de intervenções sem respaldo científico aumenta o risco de complicações e cesarianas.
3. Negligenciar o manejo adequado da dor
A dor intensa, quando não acolhida nem tratada, pode causar distocia álgica: contrações menos eficazes, prolongamento do trabalho de parto e até cesarianas desnecessárias.
- No SUS, apenas 14,5% das mulheres recebem analgesia peridural no parto vaginal (Inquérito Nascer no Brasil).
- Métodos não farmacológicos e a analgesia peridural, quando indicados, são seguros e eficazes (ACOG, 2021; NICE, 2014).
4. Impedir a presença de acompanhante e suporte contínuo
Evidências de alta qualidade mostram que o suporte contínuo durante o parto — seja por profissional, doula ou acompanhante de confiança — reduz a necessidade de cesarianas, diminui o tempo de trabalho de parto e aumenta a satisfação materna (Cochrane, 2017). Negar esse direito é um erro grave e infelizmente ainda comum.
5. Desrespeitar o protagonismo da mulher
Um dos maiores erros é tratar a mulher como espectadora e não como protagonista do parto. Decisões unilaterais, ausência de consentimento informado e práticas de violência obstétrica ferem a autonomia e aumentam o risco de traumas emocionais.
- A humanização do parto, reconhecida por diretrizes internacionais (RCOG, 2023; OMS, 2018), valoriza escolhas informadas e respeito à individualidade.
6. Ambiente hostil ou pouco acolhedor
O parto é também um evento emocional. Ambientes frios, sem privacidade e com excesso de ruído e circulação de pessoas elevam o estresse materno, aumentam a liberação de catecolaminas e podem dificultar a progressão do trabalho de parto.
- Um espaço acolhedor, silencioso e respeitoso favorece a fisiologia e reduz a percepção de dor.
Conclusão
Evitar esses erros é fundamental para que o parto seja uma experiência segura, respeitosa e transformadora. O caminho passa por informação de qualidade, cuidado multiprofissional, ambiente acolhedor e acesso garantido a métodos de alívio da dor.
No Instituto Nascer acreditamos que partos mais saudáveis e felizes acontecem quando a ciência, o respeito e o cuidado caminham juntos. E deixamos uma reflexão: se muitos dos erros que atrapalham o parto já são conhecidos e comprovadamente evitáveis, por que ainda insistimos em repeti-los?
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Referências
- World Health Organization. Intrapartum care for a positive childbirth experience. WHO, 2018.
- ACOG Practice Bulletin No. 209: Obstetric Analgesia and Anesthesia. Obstet Gynecol. 2021.
- NICE. Intrapartum care for healthy women and babies. Clinical guideline [CG190]. 2014.
- Hodnett ED, et al. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database Syst Rev. 2017.
- Anim-Somuah M, et al. Epidural versus non-epidural or no analgesia for pain management in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2018.
- RCOG. Better for Women Report. 2023.
- Leal MC, et al. Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento. Fiocruz, 2014.