Uma cesariana pode ser delicada, humana e respeitosa, mas jamais “humanizada”. Vejamos porque não aceito essa definição para estas cirurgias.
Faço, já há muitos anos, esta diferença porque o conceito que utilizamos é de que a humanização do nascimento se apoia em três elementos constitutivos: 1- a atenção baseada em evidências, 2- o enfoque interdisciplinar e 3- o protagonismo garantido à mulher no evento.
Não é difícil de entender que em uma cesariana o protagonista do evento é o médico e suas habilidades cirúrgicas. Portanto, uma cesariana – mesmo escolhida pela mulher ou com indicações médicas claras – não pode ser “humanizada” por não possuir um dos elementos basilares da humanização: o protagonismo garantido à gestante. Na cesariana, como em qualquer cirurgia, o paciente será sempre objeto da arte médica e não sujeito do processo.
Não se trata de um julgamento de mérito, mas uma questão semântica, de conceito. Como eu defino a humanização como sendo uma estrutura suportada por três pontas (protagonismo, MBE e interdisciplina) eu não posso considerar uma cesariana como humanizada – mesmo quando ela for útil, delicada, humana, bem indicada e até salvadora – pela falta de um dos elementos estruturantes.
Além disso, sabemos que existe uma questão semiótica neste rótulo reivindicado pelas “cesarianas delicadas”. Essa demanda serve para criar confusão entre uma cesariana – que é uma intervenção cruenta e artificial – e os mecanismos fisiológicos e naturais do corpo, chamando a ambos de “humanizados”. Assim, para muitos fica a mensagem de que “tanto faz a via se ambas as formas de nascer forem humanizadas”, certo?
Não, cesariana é cirurgia, parto é parto, assim como fórmula láctea é uma coisa e leite materno é outra. A superioridade em termos de riscos diminuídos e promoção da saúde do leite materno e do parto normal sobre suas variantes artificiais sequer precisa ser discutida.
Todo nascimento tem sua beleza. Mesmo a cesariana, que é uma cirurgia de grande porte, pode ser realizada com delicadeza e respeito, fazendo do nascimento pela via cirúrgica um evento igualmente belo e significativo. Não se trata de desmerecer esta cirurgia e muito menos quem porventura precisou se submeter a ela, mas é um cuidado para resguardar o conceito de humanização para os processos naturais e fisiológicos, onde a própria mulher mantém o controle dos tempos, das presenças, das posições e dos ambientes.
*Texto: Obstetra e Escritor Ric Jones
Hemmerson Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455.