A fase latente do trabalho de parto é uma das etapas mais importantes e, ao mesmo tempo, desafiadoras para muitas mulheres. Saber o que esperar e como lidar com esse momento pode transformar a experiência do nascimento em algo mais tranquilo, respeitoso e seguro.
O que é a fase latente do trabalho de parto?
A fase latente é o período inicial do trabalho de parto, em que o corpo começa a se preparar ativamente para o nascimento. É caracterizada pelo início das contrações uterinas regulares, responsáveis por promover o amolecimento, apagamento e início da dilatação do colo do útero — geralmente até 4-6 cm, dependendo da definição utilizada.
É um momento de transição importante: o corpo está se organizando hormonalmente e fisicamente, mas o parto ativo ainda não começou. A duração da fase latente é muito variável, podendo durar algumas horas ou até mais de um dia, especialmente em primíparas.
Quais são as causas da lentidão ou variabilidade da fase latente?
A fase latente é fisiologicamente instável e marcada por flutuações hormonais. Algumas das causas que podem influenciar sua duração e intensidade incluem:
- Primeira gestação: gestantes primíparas geralmente têm fases latentes mais longas.
- Estresse e medo: a ativação do sistema simpático pode inibir a liberação de ocitocina, dificultando a progressão.
- Falta de apoio emocional e físico: ausência de um ambiente seguro e acolhedor pode prolongar essa fase.
- Posições desfavoráveis do bebê: como o dorso posterior, podem gerar contrações menos eficazes.
- Fatores individuais e variabilidade fisiológica: cada corpo tem seu tempo, e isso deve ser respeitado.
Importante: a fase latente prolongada não significa obrigatoriamente um parto patológico. O cuidado baseado em evidências deve reconhecer essa variação como parte do processo normal.
Quando começa e quando termina?
Não existe um marcador rígido e universal, mas podemos dizer que a fase latente começa com contrações uterinas ritmadas e termina quando:
- O colo do útero está dilatado entre 4 e 6 cm (as definições variam entre ACOG, RCOG e OMS).
- As contrações tornam-se mais intensas, frequentes e ritmadas, indicando o início da fase ativa.
Como lidar com a fase latente? Dicas baseadas em evidências
- Fique em casa o máximo possível: A literatura recomenda que mulheres permaneçam em casa durante essa fase, onde tendem a estar mais relaxadas e confortáveis. A internação precoce está associada a aumento no uso de intervenções, como ocitocina e cesariana.
- Ambiente tranquilo e apoio contínuo: luz baixa, calor aconchegante, voz suave, música preferida, contato com quem oferece segurança (companheiro, doula, equipe de apoio).
- Movimento e posturas livres: caminhar, se balançar na bola, agachar, tomar banho morno. O movimento ajuda o bebê a se posicionar melhor e estimula a produção natural de ocitocina.
- Respiração consciente e relaxamento: técnicas simples de respiração, meditação guiada, visualizações positivas e massagens suaves podem ajudar a lidar com o desconforto.
- Alimentação leve e hidratação: manter a energia é essencial. Frutas, caldos, água de coco, chás suaves são boas opções.
- Descansar entre as contrações: se for possível, dormir ou cochilar é altamente recomendado, especialmente se a fase latente se prolongar.
- Contato com a equipe de saúde: manter comunicação com a equipe do pré-natal ou da maternidade é fundamental para avaliar os sinais de progressão e saber o momento certo de ir ao hospital.
- Evitar intervenções desnecessárias: a fase latente é um processo natural que geralmente não exige intervenção médica, exceto em casos específicos (sofrimento fetal, infecção, hemorragia etc.).
A importância do cuidado humanizado nessa fase
Por mais que a fase latente seja, em sua maioria, fisiológica e autolimitada, ela pode se prolongar a ponto de causar cansaço extremo, desgaste emocional ou sofrimento significativo para a mulher. Nesses casos, é fundamental que ela saiba que tem o direito de procurar a maternidade e, com o suporte de uma equipe respeitosa, avaliar a possibilidade de receber medicações para alívio da dor, como medicação venosa ou outras medidas de conforto. Em algumas situações específicas, pode-se discutir, de forma individualizada, a indicação de uma indução do parto, desde que a mulher seja informada dos riscos, benefícios e alternativas desse caminho. O mais importante é garantir que cada decisão seja tomada com respeito à autonomia da mulher, apoio multiprofissional e base científica sólida.
No Instituto Nascer, reconhecemos a fase latente como parte essencial e legítima do trabalho de parto — não como um “desvio de normalidade”. Acolher, orientar e proteger esse momento pode reduzir significativamente a necessidade de intervenções e melhorar a experiência da mulher.
O protagonismo feminino, o cuidado interdisciplinar e a prática baseada em evidências também começam aqui: respeitar o tempo do corpo e o tempo do bebê é uma atitude que transforma o nascimento em um evento mais seguro e amoroso.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Referências:
- American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Obstetric Care Consensus: Safe Prevention of the Primary Cesarean Delivery. 2014.
- World Health Organization (WHO). Intrapartum care for a positive childbirth experience. 2018.
- Spong CY, et al. Defining the onset of labor. Obstet Gynecol. 2003.
- Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG). Birth in the right place: A review of evidence. 2020.
- NICE Guidelines. Intrapartum care for healthy women and babies. Updated 2021.
- Cochrane Review: Bohren MA, et al. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database Syst Rev. 2017.