Pense em um parto. Se você ainda não tiver visto ou passado por um, é possível que as imagens em sua mente incluam uma mulher gritando, suada, apavorada, perdida entre contrações insuportáveis, ao lado de um companheiro igualmente nervoso. Afinal, é desse jeito que os nascimentos costumam ser retratados nos filmes e nas novelas. Mas não é bem assim.
“Não há dúvidas de que o parto é doloroso para muitas mulheres, porém, há tanto que podemos fazer para reduzir essa dor… Os pais sempre ficam surpresos ao saber que o útero tem pouquíssimos receptores de dor. É o cérebro que decide se esses sinais indicam perigo ou não. A cultura local e a mídia tendem a representar o nascimento como algo incrivelmente traumático, mas com o apoio, o ambiente e a reciclagem correta da mente, ele pode ser fortalecedor, capaz de mudar a vida da mulher”, afirma Tracy Donegan, a parteira irlandesa criadora do GentleBirth (parto gentil, em tradução livre), aplicativo que promete treinar a mente para encarar o nascimento de uma forma completamente diferente.
Mas como é que alguém ou alguma técnica consegue amenizar uma das dores mais intensas que o ser humano pode sentir? Com a parte mais poderosa do seu corpo: a mente. Segundo a neurociência, o cérebro apresenta maior neuroplasticidade durante a gestação. E é disso que se aproveita o método, que é um treinamento mental para lidar com as dores e o medo durante o trabalho de parto e, assim, diminuir a necessidade de intervenções como analgesia e episiotomia (corte na região do períneo, entre a vagina e o ânus), além de fortalecer a mulher para o caso de ela precisar enfrentar possíveis intercorrências, como uma cesárea de emergência, e levar da experiência uma impressão positiva, mesmo que não tenha acontecido como foi sonhada.
“Durante a gravidez, o cérebro está mais vulnerável a sugestões. O problema são os inputs negativos. Da família ao médico, muita gente acaba ajudando a construir esse cenário de medo”, explica a psicóloga Monalisa Barros, que conheceu o método quando fazia pós-doutorado em Dublin na Irlanda, onde o GentleBirth surgiu em 2006. A versão brasileira foi crianda em 2017.
A técnica reúne hipnose, por meio de afirmações positivas, além de mindfulness (um tipo de meditação), psicologia do esporte e exercícios de respiração. Na prática, é um conjunto de cerca de 70 áudios, disponíveis em um aplicativo pago disponíveis para iOS ou Android.
Mente de atleta
Pode não parecer, mas a psicologia do esporte tem tudo a ver com contração e dilatação, “O parto é um momento de alta performance”, explica Monalisa. Assim como os atletas, a parturiente precisa aprender a lidar com a dor e o nervosismo. “Quando dá tudo certo, ótimo, mas, muitas vezes, a mulher não tem resiliência emocional suficiente para participar das decisões que precisam ser tomadas na hora”, completa.
Nem só de parto…
O GentleBirth oferece ainda outros tipos de treinamentos, que, de alguma forma, também estão ligados à gravidez e à maternidade. Alguns dos áudios facilitam a aceitação da cesariana por mulheres que desejam muito um parto normal, como no exemplo de Maria Tânia. Há até uma parte do programa que ajuda as famílias a lidarem com a perda gestacional ou outros desfechos difíceis. “A experiência mais impactante para mim é a de mulheres que tiveram um natimorto. Mesmo em meio a uma tragédia inimaginável, essas mães ainda querem oferecer um parto gentil ao bebê e usar o programa para ficarem presentes e conectadas com ele durante o trabalho de parto”, afirma a criadora do programa, Tracy.
O aplicativo inclui também hipnose para o sono (que pai e mãe não sentem necessidade de dormir melhor?) e para estimular o vínculo com o bebê. Há ainda conteúdos para quem está em processo de fertilização, amamentação, volta ao trabalho, body positive e retorno à vida sexual, entre outros temas, que extrapolam o nascimento.
Que transe é esse?
Para quem duvida dos efeitos dos áudios, eles foram comprovados cientificamente. Uma pesquisa da University College Cork (Irlanda) comparou as experiências de parto de 200 grávidas. Metade havia feito aulas tradicionais de preparação para o parto com enfermeiras obstetras; a outra metade usou o método. Para estas, a experiência foi mais positiva, já que elas tiveram melhor preparo para lidar com a dor, menos intervenções e mais apoio do(a) parceiro(a).
Mas como, afinal, hipnose, meditação e afirmações positivas agem? “Existe um princípio básico: para funcionar, toda sugestão precisa ser uma autossugestão”, explica a psicóloga Regina Maria Azevedo, pesquisadora de estados de hipnose do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Ela faz uma referência à frase de Émile Coué, psicólogo francês que, no início do século 20, fez pesquisas com o que mais tarde ficou conhecido como o efeito placebo. Isso quer dizer que a mente sugestionada pode transformar a realidade, motivo pelo qual esportistas e até dentistas usam a técnica da hipnose e da meditação para o controle da dor. “Se a pessoa não acreditar, não vai funcionar”, conclui a especialista.
Antes de criar o método, Tracy Donegan era instrutora de HypnoBirthing, que tem um conceito parecido, mas se baseia apenas na hipnose. “A técnica não funciona para todas as pessoas. Já a meditação mexe com a estrutura do cérebro de maneira a reduzir a dor, melhorar o foco e o humor e criar resistência emocional para as intensas semanas do puerpério. Para mim, fazia sentido adicionar mais ferramentas, dando a todas as mulheres os recursos necessários para um parto positivo”, explica a parteira.
Foco no que importa
Apesar de estar fazendo sucesso entre as grávidas, o GentleBirth é uma das ferramentas que ajudam a encarar o parto de maneira positiva, mas não é a única. Além de aplicativos alternativos (veja quadro ao lado), o principal, segundo o obstetra Paulo Noronha, da Casa Moara (SP), é concentrar-se no momento que você está vivendo e no bebê que está para chegar. “É preciso procurar reforço psicológico, apoio emocional e também empoderar-se para acreditar que o corpo é capaz de parir”, diz o médico. Para isso, vale conversar com mulheres que já viveram essa experiência, formar uma rede de apoio, buscar uma doula, ler e informar-se sobre o tema.
“O mais importante é aprender a entrar em contato com o seu corpo e ter confiança nele”, reforça a doula Maíra Duarte, de São Paulo (SP). Para ela, atitudes aparentemente simples, como treinar a respiração, já ajudam muito e entregar-se ao momento, de fato, muda tudo. “A gestante precisa se conectar mais com o seu lado primitivo para ajudar a natureza a agir”, afirma o obstetra Noronha. Afinal, a chegada do seu filho é uma experiência única e, ao contar essa história no futuro, você certamente não vai se lembrar do medo, nem da dor.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
*Fonte: Minele Saddi – Portal Revista Crescer / Portal GentleBirth Brasil / GentleBirth Oficial
https://youtu.be/ZL03-3A8b_U