Quando falamos em nascimento gemelar no Brasil, a cesariana parece quase automática. Dados nacionais mostram que mais de 90% dos partos gemelares ocorrem por cesariana, muitas vezes de forma protocolar e não individualizada. Mas será mesmo que toda gestação gemelar precisa acabar em uma cirurgia? O que dizem as evidências científicas mais atuais sobre isso?
A resposta é clara: não, parto gemelar não é sinônimo de cesariana. Com critérios clínicos bem estabelecidos, equipe experiente e ambiente adequado, o parto vaginal gemelar pode ser seguro – e muitas vezes até preferível.
Quando o parto vaginal gemelar é possível e seguro?
As melhores condições para tentar um parto vaginal em gêmeos envolvem:
- Gestação dicoriônica (di-di) ou monocoriônica-diamniótica (mono-di)
- Ambos os fetos com boa vitalidade
- Apresentação cefálica do primeiro feto (gêmeo A)
- Idade gestacional ≥ 32 semanas, idealmente ≥ 34 semanas
- Ausência de contraindicações maternas ou fetais ao parto vaginal
- Equipe obstétrica treinada em parto gemelar, incluindo manobras de versão interna e extração podálica
Segundo diretrizes do ACOG e do Royal College (RCOG), essas são as condições mais importantes para que o parto vaginal gemelar seja seguro e possa ser tentado com boa taxa de sucesso.
Evidências sobre riscos e benefícios
O estudo Twin Birth Trial, publicado no New England Journal of Medicine (2013), é uma das maiores pesquisas sobre esse tema. Esse ensaio clínico randomizado comparou parto vaginal planejado versus cesariana planejada em gestação gemelar com primeiro feto cefálico, entre 32 e 38 semanas.
Resultados principais:
- Nenhuma diferença significativa em mortalidade ou morbidade neonatal grave entre os grupos
- Alta taxa de sucesso no parto vaginal planejado: 91%
- Menor tempo de recuperação e menor risco de complicações cirúrgicas no grupo do parto vaginal
Além disso, revisões sistemáticas da Cochrane e metanálises recentes reforçam que, quando bem indicado, o parto vaginal gemelar é tão seguro quanto a cesariana para os bebês e mais benéfico para a mulher, com menor risco de infecção, hemorragia, lesão de órgãos e complicações futuras em gestações subsequentes.
E se um nasce por via vaginal e o outro precisa de cesariana?
Esse é um dos maiores temores entre profissionais e famílias. A boa notícia é que esse cenário é raro. Estudos apontam que a taxa de conversão para cesariana apenas do segundo gêmeo após nascimento vaginal do primeiro varia de 2% a 4%, especialmente quando há experiência da equipe com manobras obstétricas apropriadas.
Esse risco diminui ainda mais quando o segundo feto também está em apresentação cefálica ou quando a equipe está confortável com versão interna e extração podálica.
E quando a cesariana é a melhor escolha?
A cesariana programada é, sim, a via de escolha em algumas situações:
- Gêmeo A em apresentação não cefálica
- Gestação monoamniótica (risco elevado de entrelaçamento de cordões)
- Comprometimento fetal agudo
- Prévia de placenta ou outras contraindicações ao parto vaginal
- Gestação gemelar com fatores obstétricos complexos (como crescimento restrito grave em um dos fetos)
Como é a prática em outros países?
Em países como França, Canadá, Reino Unido e Noruega, entre 40% e 60% dos nascimentos gemelares ocorrem por parto vaginal, sempre dentro de critérios clínicos rigorosos. A formação dos profissionais, o suporte hospitalar e os protocolos de cuidado são focados em segurança e protagonismo da mulher, mesmo em contextos mais desafiadores como o parto gemelar.
E no Brasil, por que quase sempre cesariana?
No Brasil, infelizmente, a cultura obstétrica intervencionista, o medo de complicações, a falta de preparo das equipes para manobras obstétricas e o modelo hospitalar voltado à previsibilidade e à agenda médica fazem com que a cesariana ainda seja a regra no parto gemelar. Mas isso não precisa ser assim.
No Instituto Nascer, já acompanhamos com sucesso diversos nascimentos gemelares por via vaginal – respeitando sempre as melhores evidências e a individualidade de cada caso.
Conclusão: Gemelar pode, sim, nascer de parto normal!
A cesariana não deve ser rotina no nascimento gemelar. O parto vaginal planejado em gêmeos, quando bem indicado, é seguro, possível e desejável. O que precisamos é de formação adequada, critérios bem definidos, estrutura hospitalar e, acima de tudo, respeito às mulheres e à ciência.
No Instituto Nascer, seguimos comprometidos com uma assistência baseada em evidências e com o protagonismo das mulheres – mesmo em nascimentos múltiplos.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Fontes científicas:
- Barrett JFR, et al. A Randomized Trial of Planned Cesarean or Vaginal Delivery for Twin Pregnancy. N Engl J Med. 2013;369:1295-1305.
- ACOG Practice Bulletin No. 215: Management of Twin Pregnancy. Obstet Gynecol. 2020;135(2):e97–e109.
- RCOG Green-top Guideline No. 51: Management of Monochorionic Twin Pregnancy. 2016.
- Dodd JM, et al. Planned early birth versus expectant management for women with twin pregnancy. Cochrane Database Syst Rev. 2017.
- NICE Guideline [NG137]: Twin and Triplet Pregnancy. 2019.
- Rossi AC, D’Addario V. Maternal outcomes of planned vaginal versus planned cesarean delivery in twin pregnancies: a systematic review and meta-analysis. Obstet Gynecol. 2011.