Quando um bebê nasce, não é apenas um corpo que chega ao mundo. É um cérebro em plena ativação, um sistema sensorial pronto para reconhecer e ser reconhecido, e um coração que busca imediatamente um lugar seguro. Para a mãe, o nascimento também é uma abertura profunda, fisiológica, emocional e relacional, para acolher esse novo ser.
Esse momento, carregado de potência e vulnerabilidade, recebe um nome especial na ciência: imprinting.
Mais do que um conceito, o imprinting descreve o fenômeno de vínculo primário que acontece na transição entre a vida intrauterina e a vida extrauterina. É a forma como mãe e bebê começam a se reconhecer, se sintonizar e criar a base do relacionamento que os acompanhará por toda a vida.
E embora pareça algo quase mágico, ele é profundamente biológico, previsível e baseado em evidências.
O que é o imprinting?
No contexto do nascimento humano, o imprinting é uma janela sensível nas primeiras horas de vida em que mãe e bebê estão fisiologicamente preparados para se conectarem.
É quando:
- o bebê identifica o cheiro, a voz e o toque da mãe;
- a mãe reconhece o cheiro, o olhar e o choro do bebê;
- ambos começam a estabelecer um vínculo emocional e neurológico que se fortalece ao longo dos dias e semanas.
Esse processo envolve hormônios, respostas sensoriais e comportamentos instintivos que favorecem a sobrevivência e a formação do vínculo, um traço comum em todos os mamíferos.
A fisiologia que sustenta o vínculo
1. A ocitocina: o hormônio do encontro
Durante o trabalho de parto, a ocitocina materna atinge picos que facilitam a atenção, empatia, disponibilidade e comportamento de cuidado. Após o nascimento, esse hormônio sobe novamente quando a mãe toca, cheira ou amamenta o bebê.
No bebê, a transição para o colo materno ativa um estado de alerta tranquilo, ideal para contato visual e busca ativa pelo seio.
2. O olfato: o primeiro “reconhecimento”
O recém-nascido nasce com o olfato extraordinariamente desenvolvido. Ele reconhece o cheiro da mãe e se orienta pelo odor do colostro, que tem composição e aroma únicos.
Para a mãe, o cheiro do bebê é um potente ativador neural, estimulando respostas de cuidado e proteção.
3. O toque e o calor: códigos ancestrais
O contato pele a pele regula temperatura, frequência cardíaca, respiração, glicemia e reduz o choro. Esse “ambiente biológico” favorece a fixação das memórias sensoriais iniciais e estabelece segurança.
4. A neuroplasticidade materna
Em torno do nascimento, o cérebro materno passa por uma reorganização profunda. Áreas ligadas à empatia, resposta ao choro, reconhecimento facial e cuidado são ativadas intensamente, facilitando o vínculo.
Por que isso importa tanto?
A ciência é unânime: o início da vida extrauterina não é um detalhe, mas um momento de enorme impacto na saúde e no vínculo a longo prazo.
Evidências mostram que o contato imediato e ininterrupto:
- aumenta significativamente a taxa de amamentação exclusiva;
- reduz internações neonatais;
- melhora estabilidade respiratória, térmica e glicêmica;
- diminui níveis de estresse do bebê e da mãe;
- favorece estados comportamentais ideais para o vínculo;
- fortalece a percepção de competência materna;
- reduz risco de depressão pós-parto.
É por isso que práticas como pele a pele imediato, amamentação na primeira hora, ambiente silencioso, acolhedor e sem interrupções e evitar separações desnecessárias são pilares de um nascimento realmente humanizado.
Interferências no imprinting
Interrupções precoces e não justificadas, como separações desnecessárias, excesso de manipulações, ruídos, ou procedimentos que poderiam ser adiados, podem dificultar o processo natural de reconhecimento.
A ciência é clara: quando respeitamos essa janela sensível, tudo flui melhor, no corpo, no cérebro, no vínculo e na amamentação.
O que fazemos no Instituto Nascer
No Instituto Nascer, tratamos esse momento como algo sagrado, humano e científico.
Por isso, priorizamos:
- contato pele a pele imediato e contínuo;
- clampeamento oportuno do cordão;
- amamentação precoce;
- salas de parto calmas, com pouca luz e ruído;
- equipes treinadas para proteger a mãe e bebê;
- adiar qualquer procedimento que não seja urgente;
- protagonismo da mulher e respeito ao seu tempo e ao seu bebê.
Cuidar do imprinting é cuidar do começo da relação mais importante da vida.
Imprinting é vínculo, é segurança, é começo
Não é um ritual romântico. É biologia. É ciência. É cuidado.
É o encontro que inaugura uma família, e tudo o que vier depois carrega traços desse primeiro contato.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer, Comunidade Nascer e Nascer Academy – CRM-MG 34455
Fontes para aprofundamento
- Moore ER et al. Early skin-to-skin contact for mothers and their healthy newborn infants. Cochrane Database Syst Rev.
- WHO. Early Essential Newborn Care: Clinical Guidelines.
- ACOG. Breastfeeding and the Use of Human Milk.
- NICE. Intrapartum care for healthy women and babies.
- RCOG. Intrapartum Care Guidelines.
- Widström A et al. Newborn behavior to locate the breast: a systematic review. J Perinat Educ.
- Feldman R. Parent–infant bonding: neurobiology and implications for early care.




