O medo do parto é mais comum do que se imagina — e, ao contrário do que muitas pessoas pensam, ele não está restrito às mães de primeira viagem. Mesmo mulheres que já passaram pelo parto podem sentir angústia, ansiedade ou até pânico diante da possibilidade de viver essa experiência novamente. Mas por que esse medo é tão presente? E o mais importante: como lidar com ele?
A resposta começa com uma escuta profunda e um olhar mais humano sobre o nascimento.
Medo do parto: natural ou patológico?
Sentir medo diante de algo novo, intenso e desconhecido é natural. O parto é um evento fisiológico poderoso, que envolve corpo, mente e emoções. Ele ativa regiões cerebrais relacionadas ao instinto e à sobrevivência. Um certo grau de receio é esperado.
O problema surge quando o medo ultrapassa os limites do saudável e começa a paralisar, gerar sofrimento ou levar à adoção de condutas médicas desnecessárias — como cesarianas sem indicação clínica real.
Essa condição tem nome: tocofobia — o medo intenso e desproporcional do parto. Estudos mostram que ela pode afetar até 14% das mulheres em idade fértil, e está associada a piores desfechos obstétricos, maior risco de depressão perinatal e queda na satisfação com a experiência de parto. (O’Connell et al., BJOG, 2017)
De onde vem o medo do parto?
No Brasil, o medo do parto não nasce apenas do desconhecido. Ele é cultivado por uma cultura partofóbica. São décadas de narrativas negativas, relatos traumáticos, piadas com sofrimento, vídeos de gritos e cenas de violência obstétrica retratadas como “normais”.
Além disso, o modelo tradicional de assistência — marcado por pressa, falta de informação, protocolos rígidos e pouca escuta — reforça a percepção do parto como um evento perigoso, doloroso e descontrolado.
Entre os medos mais comuns relatados por gestantes estão:
- Medo da dor insuportável
- Medo de laceração ou episiotomia
- Medo de não aguentar fisicamente ou “não dar conta”
- Medo de complicações com o bebê
- Medo de ser desrespeitada
- Medo de morrer
E por trás de tudo isso, muitas vezes está o medo da solidão.
O que a ciência diz sobre como lidar com esse medo
A boa notícia é que existem estratégias eficazes, baseadas em evidências, para reduzir o medo do parto e promover uma experiência positiva e segura. Veja as principais:
1. Educação perinatal de qualidade
Estudos demonstram que mulheres que participam de cursos de educação perinatal, grupos de gestantes ou programas de preparação para o parto têm níveis significativamente menores de medo e ansiedade.
Uma revisão sistemática da Cochrane (Gagnon & Sandall, 2007) mostrou que a educação para o parto melhora o bem-estar psicológico das gestantes e pode reduzir a taxa de cesáreas desnecessárias.
O que funciona:
- Informações baseadas em evidências sobre fisiologia do parto, fases, sinais de trabalho de parto e opções de alívio da dor.
- Discussão aberta sobre mitos, medos e experiências reais.
- Envolvimento do(a) companheiro(a) no processo.
2. Apoio contínuo durante o trabalho de parto
A presença de uma doula, uma enfermeira obstetra ou outro profissional de apoio contínuo reduz o medo e aumenta a sensação de segurança e controle.
A Cochrane (Bohren et al., 2017) mostrou que o suporte contínuo está associado a:
- Menor duração do trabalho de parto
- Menor necessidade de analgesia farmacológica
- Redução de intervenções como cesarianas e fórceps
- Aumento da satisfação com o parto
3. Relação de confiança com a equipe ou com a maternidade onde terá seu bebê
Ter uma equipe que escuta, respeita e acolhe reduz drasticamente a ansiedade da mulher em relação ao parto. A continuidade do cuidado (modelo de assistência com profissionais conhecidos desde o pré-natal) é uma das práticas mais eficazes nesse sentido.
O NICE (UK) e o RCOG recomendam modelos de Midwife-led Continuity of Care como padrão ouro para mulheres de baixo risco, justamente pelos efeitos positivos na percepção de segurança e no enfrentamento do medo.
4. Psicoterapia e intervenções direcionadas
Em casos de medo intenso ou tokofobia, o acompanhamento com psicólogas perinatais pode fazer toda a diferença. Terapias baseadas em evidências como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) ajudam a identificar e reestruturar crenças disfuncionais sobre o parto.
A TCC tem sido recomendada pelo Royal College of Psychiatrists como tratamento de primeira linha para tokofobia e ansiedade perinatal.
5. Práticas complementares baseadas em evidências
Recursos como yoga, meditação, mindfulness, hipnose para o parto (Hypnobirthing), técnicas de respiração e visualizações guiadas têm mostrado eficácia na redução do medo e aumento do bem-estar durante a gestação e o parto.
Segundo revisão da Cochrane (Beddoe et al., 2010), técnicas mente-corpo são eficazes para melhorar o estado emocional das gestantes e promover autoconfiança.
6. Relatos de parto: quando ouvir histórias ajuda a vencer o medo
Muitas mulheres se sentem sozinhas ou despreparadas porque só ouviram histórias traumáticas ou medicalizadas. A ciência mostra que ouvir ou assistir relatos de parto respeitosos e reais pode ser uma poderosa ferramenta emocional e educativa.
Estudos qualitativos demonstram que relatos bem mediados ajudam a reduzir o medo, aumentar o senso de preparo e promover identificação positiva com o parto (Greenfield et al., Midwifery, 2018; Stoll et al., Women and Birth, 2021).
No entanto, é essencial que esses relatos sejam diversos, humanizados e contextualizados. Quando mal escolhidos — como vídeos sensacionalistas e experiências desrespeitosas —, podem reforçar a ansiedade.
Por isso, orientamos que o consumo de relatos seja feito com curadoria profissional e acolhimento, como nas rodas de conversa, grupos de gestantes e espaços de escuta ativa promovidos no Instituto Na
O medo não se elimina — se transforma
No Instituto Nascer, acreditamos que o medo não deve ser ignorado, silenciado ou combatido à força. O medo precisa ser escutado. Porque ele traz mensagens importantes: sobre a sua história, seus traumas, sua percepção do mundo e da medicina.
Nosso papel é ajudar você a transformar esse medo em potência. Não com promessas mágicas de um parto perfeito, mas com um cuidado real, baseado em evidências, humanização e vínculo.
Você não precisa ser corajosa o tempo todo. Mas precisa ser respeitada o tempo todo.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Fontes e Referências Científicas
- Bohren MA, Hofmeyr GJ, Sakala C, Fukuzawa RK, Cuthbert A. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database Syst Rev. 2017.
- Gagnon AJ, Sandall J. Individual or group antenatal education for childbirth or parenthood, or both. Cochrane Database Syst Rev. 2007.
- O’Connell MA, Leahy-Warren P, Khashan AS, Kenny LC, O’Neill SM. Worldwide prevalence of tokophobia in pregnant women: systematic review and meta-analysis. BJOG. 2017.
- Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG). Birth After Previous Caesarean Birth. Green-top Guideline No. 45.
- National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Intrapartum care for healthy women and babies. 2021.
- Beddoe AE, Lee KA. Mind–body interventions during pregnancy. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2008.