Na noite de Natal, enquanto muitas famílias celebravam ao redor de mesas iluminadas, eu estava em uma suíte de parto acompanhando um período expulsivo. Não era um cenário planejado. Era a vida acontecendo.
Brenda tinha uma cesariana agendada para a tarde do dia 24 de dezembro. O contexto parecia justificar: bolsa rota prolongada, 38 semanas completas, colo fechado e um antecedente de cesariana. A lógica do sistema apontava para um caminho claro, previsível, organizado pelo relógio.
Mas o corpo humano, quando respeitado, nem sempre segue a lógica do calendário.
Internamos por volta das 15h. Às 15h30, já no centro cirúrgico, algo mudou. As contrações começaram. Não fortes, não “perfeitas”, mas verdadeiras. Contrações que não pedem permissão, apenas anunciam que o processo começou.
Seria fácil seguir com a cesariana. Estava tudo pronto. Mas o cuidado exige mais do que eficiência: exige escuta. E, sobretudo, respeito ao desejo da mulher e à fisiologia.
Optamos por observar. Sem pressa. Sem imposições. Fomos para a suíte de parto. Quatro horas depois, o colo estava com 6 centímetros. O corpo tinha assumido o comando. Brenda recebeu analgesia peridural, e às 00h17 da noite de Natal, Dom nasceu. Nasceu no seu tempo.
O nascimento como evento biológico, relacional e simbólico
O nascimento nunca é apenas um evento técnico. Ele é profundamente biológico, mas também é relacional, emocional e simbólico.
Quando interrompemos esse processo sem uma indicação clara, interferimos não apenas no modo de nascer, mas em cascatas hormonais fundamentais para a adaptação neonatal, para o vínculo, para o início da amamentação e para a experiência subjetiva da mulher.
Respeitar a fisiologia não é romantizar o parto. É compreender profundamente a ciência que o sustenta.
O parto de Dom não foi um “milagre”. Foi o resultado de um ambiente seguro, de uma mulher respeitada e de uma equipe que confia na fisiologia — sem jamais abrir mão da responsabilidade.
O Natal e o nascimento
Talvez não seja coincidência que isso tenha acontecido na noite de Natal.
Há mais de dois mil anos, uma mulher entrou em trabalho de parto fora dos protocolos, fora dos palácios, fora dos horários. O nascimento sempre foi, e continua sendo, um ato profundamente humano, que nos lembra dos limites do controle e da importância da presença.
Quando colocamos a mulher no centro — sem relógio, sem pressa, sem interesses externos — algo essencial acontece: o nascimento deixa de ser um procedimento e volta a ser um encontro.
Naquela noite, Dom nasceu. Mas também nasceu, mais uma vez, a certeza de que o cuidado transforma o nascimento humano em algo extraordinário.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer, Comunidade Nascer e Nascer Academy – CRM-MG 34455




