Minha história aconteceu há mais de 4 anos, em 2013. Foi um momento inesquecível, com uma equipe maravilhosa.
Não poderia ter sido diferente. Mas para contar como foi, tenho que voltar um pouco mais no tempo. Carnaval de 2011. Me lembro exatamente do momento da fecundação, perceber a vida se iniciando dentro de mim, uma energia que eu nunca havia experimentado. Foram 38 semanas de uma gestação saudável, sentindo cada novo acontecimento dentro de mim, transformações corporais, hormonais e emocionais. Tudo indo da melhor forma possível. A ginecologista obstetra? Uma gracinha, super competente, renomada, até já havia feito o parto de uma pessoa famosa. É verdade que tinha que esperar horas, muitas, para ser atendida, mas afinal, era uma mulher tão requisitada. Ela sempre me dizia que o parto seria normal, se não precisasse empurrar com a mão a barriga, se não fosse fórceps, se o bebê não fizesse cocô na barriga, se o bebê não estivesse com cordão no pescoço, se, se, se. Sim, pontos que eu não queria que acontecessem, mas que até o momento eu não sabia que acontecia com tanta frequência para terem tantos se. Eis que chega a 38ª semana e realizei um, dos inúmeros ultrassons para garantir a perfeição do desenvolvimento fetal. A essa altura, já estava realizando todos os ultrassons na clínica que ficava no mesmo prédio da médica, pois ela tinha mais confiança. Afinal, entender aquele monte de rabisco em preto e branco não é pra qualquer um. Final do dia, saí do trabalho direto para o ultrassom, o médico me disse que estava tudo bem com o bebê, porém minha placenta estava em grado 3 e o líquido amniótico era 8.5. Significava que minha placenta estava muito calcificada e meu líquido estava quase no limite, que seria 8, segundo o médico do ultrassom. Mas para eu não me preocupar, passar no consultório da minha médica e conversar com ela. O que eu fiz de imediato. Como ela estava em atendimento, seu doce marido, também ginecologista obstetra me acolheu e disse para eu ir para casa tranquila e ligar mais tarde para conversar com ela. O fiz! Ela me pediu que voltasse na manhã seguinte, no primeiro horário, repetisse o ultrassom e fosse ao consultória dela. Feito isso, depois de longas horas de espera, a Dra analisou meus exames e constatou que de fato minha placenta estava bem calcificada e o líquido continuava o mesmo, sinal que eu não estava perdendo, porém não estava sendo produzido mais. Me deu duas opções: esperar a hora do bebê, fazendo ultrassom diariamente para controlar esses dois fatores e evitar o sofrimento fetal, ou fazermos uma cesariana, naquele mesmo dia. Ela teria disponibilidade às 18h, da sexta feira. Levei uma eternidade para compreender o que estava acontecendo. Olhei para meu marido e estávamos os dois entre o ideal e o real. Entre realizar um capricho de ter um parto normal ou evitar o sofrimento fetal. Uma mãe, em sã consciência e entregue ao saber de uma médica, opta pela bem estar do filho. Meu mundo caiu. Chorei compulsivamente. Questionei a perfeição da natureza. Como um corpo é capaz de conceber, gerir e não parir? Se não existisse a cesariana, se não houvesse ultrassom, se não fosse o avanço da tecnologia, da ciência, da medicina, ou eu ou meu filho, ou os dois não estaríamos aqui. Esse foi o meu real sentimento, impotência, imperfeição. Nem contração eu sabia o que era. Muita dor, muita solidão, muita tristeza.Tive a tarde para me recompor e estar inteira para receber meu filho, tão amado, desejado e esperado. Minha família estava junto a mim, o que me dava força e me fazia sentir inteira. Depois de longa espera o simpático marido da Dra foi ao quarto do hospital me buscar e acompanhar até o bloco cirúrgico. A Dra me esperava com uma trilha sonora de Enia. Chegou a hora de levar a anestesia e ser amarrada na maca. Comecei a sentir a respiração falhar e escutei do médico anestesista que se eu não respirasse direito o ar ia faltar mesmo. Meu marido chegou para ficar comigo nesse momento de receber nosso bebê. O procedimento foi rápido, meia hora, sem dor, mas com a sensação de que estava sendo chacoalhada. Às 20:20 meu Lorenzo estava em meu braço, o outro continuava amarrado. Momento de intensa felicidade, encanto. Eternizado no meu ser. Momento curto, interrompido para seguirem com os procedimentos que eram de praxe. Meu pequeno filho, que acabara de nascer, foi levado pela enfermeira para os devidos cuidados, que eu nem sei ao certo quais foram. Foi apresentado, nos braços da enfermeira à família, que aguardava ansiosamente para ver o rostinho dele. Eu fui levada de maca, após o fechamento da barriga, sem saber o que era uma placenta, para a sala de recuperação. Olhando para o teto, ao lado de outras mulheres que acabaram de parir, e assim como eu, aguardavam, por seus respectivos médicos anestesistas, serem liberadas para irem para o quarto com seus filhos. Ali permaneci por umas duas horas, pois meu médico foi jantar. Enfim, reencontrei o meu bebê, que desde então segue sempre comigo. Minha recuperação foi fantástica. Não senti dores nem fiquei com o corpo encurvado por causa da cicatrização. O único incomodo era ficar sem a cinta, tinha a sensação de meus órgãos estarem soltos dentro de mim, isso durou um longo tempo. Outro incômodo, que dura até hoje, é a falta de sensibilidade no abdômen, sinto de forma muito estranha minha barriga. Minha relação com meu bebê foi de puro amor e entrega. Foram horas, madrugadas a dentro, com meu pequeno no colo durante suas longas mamadas. A amamentação materna, eu desejava fazer até ele completar 1 ano.
Seis meses depois, eu já me consultava com outra médica ginecologista. Mudei logo após o retorno da cesariana. Achei que a Dra havia sido antiética em relação ao valor cobrado e informado no dia da cesárea. A nova Dra, no primeiro dia de consulta ginecológica, depois de relatar minha experiência de parto, ela, de forma muito seca e espontânea, me disse que nós, mulheres de mais de 30 (eu com meus 33anos), tínhamos a mania de querer ter parto normal, mas que não era possível pois já tínhamos útero caduco.
Bom, como no meu imaginário eu tinha a certeza de que uma vez cesárea, sempre cesárea, não me importava ouvir isso, a minha chance já havia acabado.
Quando meu filho fez 1 ano, eu e meu marido decidimos que era hora de termos outro filho. Comuniquei à Dra. Com a forma seca e espontânea que lhe cabia, me disse que era para parar de amamentar meu filho, de imediato, e se em 6 meses eu não engravidasse ela entraria com medicação. Respirei profundamente! Quem decide minha vida sou eu. Da capacidade do meu corpo de reproduzir e gerir eu já tinha certeza, não seria por meios de medicação que eu teria meu segundo filho. Aproximadamente com 1 ano e 2 meses parei de amamentar, como já era o meu desejo, e a menstruação seguinte já não veio. Era carnaval de 2013. Novamente, pude sentir a mesma experiência de saber o momento da fecundação. Estava grávida pelas vias naturais.
A percepção de ter um ser crescendo dentro de você, saber que você é capaz de gerir e alimentar sua cria é o maior empoderamento feminino. Algo que só nós mulheres podemos vivenciar até os tempos de hoje. Foi uma gravidez plena, tranquila. Não sentia com tanta novidade cada mudança do meu corpo, talvez por ter um outro ser do lado de fora que necessitava vitalmente de mim, mas sentia com total intensidade cada transformação. 37 semanas de saúde, sem complicações, seguindo o ritmo natural, tudo para ter uma cesariana perfeita. Mas como a vida não tem apenas uma ou duas possibilidades, ela me permitiu o encontro com algumas pessoas essenciais que me mostraram a força que eu tenho dentro de mim. A primeira foi minha vizinha que se tornou uma daquelas amigas/irmãs. Ela teve uma experiência de cesariana muito particular com uma equipe que trabalhava o parto humanizado. Eu nem sabia que existia isso. Ela começou a me encorajar a buscar outros médicos e ver a possibilidade de um parto normal. Ela me apresentou à mãe de um coleguinha dos nossos filhos, que era Doula. Foi um encontro maravilhoso e muito transformador. Consegui tirar minhas barreiras, pré conceitos. Descobri que existia uma realidade paralela no mundo de partos. Que muitos dos partos cesariana eram forjados pelos médicos. Talvez o meu parto não teria sido cesariana. Percebi que me foi roubada a possibilidade de tentar. Desrespeitaram o meu desejo. Violentaram o meu corpo. Anteciparam a vinda do meu filho. Tudo isso sem pedir licença, apenas encaixando na agenda. Tive uns quatro encontros com a Doula. Ela me encorajou muito e me fez perceber que minha médica, mesmo depois de ter sido questionada se havia possibilidade de ter um parto normal pós cesária e ela ter respondido que sim, não o faria em mim, pois ela era cesarista. Ela nem sabia que nos hospitais que ela trabalhava, já tinham suíte de parto humanizado. Comecei a busca, um pouco insegura, de um novo obstetra. Insegura, pois já estava quase na 38ª semana. Alguns médicos foram sugeridos e por fim, marquei uma consulta para o dia 18 de setembro de 2013, uma quarta feira, com a médica obstetra de parto humanizado, a mesma que havia feito o parto da minha vizinha. Na sexta feira, anterior, eu sofri um acidente de carro. O carro não pôde sair do lugar. Uma ambulância que passava no local me levou à maternidade mais próxima. Fiquei aguardando por 2h para ser atendida, porque estava sem minha identidade e eles não poderiam me atender, mesmo tendo um bebê pronto para nascer dentro de mim e ter acabado de sofrer um acidente de carro. Por fim, estava tudo bem comigo e o bebê. Na segunda feira um líquido escorreu pela minha perna. Fui para Dra, aos prantos, pois meu sonho de tentar ter um parto normal descia perna abaixo. Eu tinha certeza de que a Dra faria uma cesariana naquele dia. Felizmente, era alarme falso, estava tudo normal.
As contrações ainda não haviam começado. Chegou quarta feira e a tão esperada consulta com a Dra Quesia, que despensa qualquer tipo de adjetivação. Eu e meu marido nos sentimos extremamente acolhidos, respeitados e muita confiança naquela médica, que desmistificava o universo do parto. Não tive dúvidas. Meu coração teve a certeza que seria na presença daquela mulher que eu teria o meu filho da forma mais perfeita que pudesse ser. Eu estava aberta a vivenciar o que tivesse que ser. Na quinta as contrações com dores começaram. Na sexta, entre uma contração e outra e muita alegria, os brownies de chocolate foram feitos para o chá de bebê que estava marcado para sábado, dia 21. De noite, por volta da meia noite, as contrações era maiores. Dra Quesia disse para eu relaxar, não contar, dormir. Só não contei os minutos, relaxar e dormir não fizeram parte da minha noite. Às 5h da manhã as dores eram intensas e insuportáveis. Meu marido conversou com Dra Quesia, pois eu não tinha forças para falar.
Fui para o chuveiro, permaneci lá por uns 40 min. As contrações já eram de 4 em 4 min. Meu filho assistiu toda a cena. Às 8h encontramos com a Dra Quesia no hospital. Ainda na sala de exame, a bolsa rompeu, tive a real noção da quantidade de líquido que sai de dentro da gente. Minha dilatação já era de 8 cm. Suíte de parto, nem bloco cirúrgico algum estava disponível. Minha doula estava viajando e havia me indicado uma doula do Instituto, Bel. Conheci, naquele momento, a mulher que me conduziu, me ajudou a respirar, me deu chocolate, água, prendeu meu cabelo, me abanou, me deu força. Foi fundamental. Lembro dela falando que estava sendo um parto lindo, que eu era uma excelente parideira. Era tudo que eu precisava escutar para me reconstituir enquanto mulher e em total harmonia com a natureza do meu corpo e do meu ser. Entender a perfeição da vida. Dr Hemerson também já estava lá.
Estávamos em uma sala, não sei bem onde era, acho que uma enfermaria. Em certo momento, Dra Quesia me disse que iríamos para o bloco cirúrgico. Uma fresta se abril aos meus pés. Todo o sonho do parto natural (pois a essa altura eu queria sentir todas as dores, sensações e alegrias daquele momento, sem anestesia) se partiu por um breve instante. Mas só iria para o bloco cirúrgico, pois a suíte de parto estava ocupada e não poderia ter meu bebê onde eu estava. Esse momento foi muito importante. Dra Quesia me pediu que eu fechasse os olhos e não abrisse até chegar no bloco, para que nada me atrapalhasse no trabalho de parto. O bloco seria preparado para que eu me sentisse o melhor possível. Todas as vezes que eu quisesse gritar ou fazer qualquer coisa eu poderia. Ela estaria do meu lado o tempo todo. Assim como meu marido e a doula. No Bloco eu procurei diversas posições e cócoras foi a que em deu melhor confiança. As fezes que saiam durante as contrações me deixaram inibida, mas a Dra Quesia me tranquilizou, dizendo que era natural, sair primeiro as fezes e depois o bebê. A partolândia existe, eu entrei em transe. Entre uma contração e outra eu andava pela sala, como se estivesse bailando. Pessoas entravam e saiam da sala, mas só tenho o registro em flashes. Em determinado momento, calmamente, Dr Hemerson me tocou o braço dizendo que eu estava entrando no Círculo de Fogo. Eu iria sentir uma queimação, pois estava começando a coroar o bebê. Foi um dos momentos mais insuportáveis de dor. A dor não parava entre uma contração e outra, não tinha força para andar pela sala, mal consegui me sustentar, se não fosse a força do meu marido me segurando por trás. A cabecinha começou a sair e eu não acreditava que estava tocando no meu filho, que ainda estava dentro de mim. Não sei quanto tempo durou tudo isso, acho que foram minutos, pra mim foi uma eternidade. A dor dos rompimentos dos músculos e todos os tecidos já não fazia sentido. A vontade de desistir, o pensamento de não acreditar que eu conseguiria vinha com o cansaço, mas a equipe me incentivava, vibrando a cada contração, a cada respiro.
Então, meu filho, Alexandre, às 12h05min estava nos meus braços e ali permaneceu por muito tempo. A felicidade não tinha tamanho. Meu filho nasceu na hora que ele quis. Foi um acontecimento meu e dele. Pura alegria. Depois de algum tempo, pedi para cortar o cordão, eu já não tinha forças e aquela posição estava incômoda. E foi o meu marido que cortou o cordão. Fui para maca e me dei conta que eu tinha uma placenta dentro de mim que precisava sair. Eu deveria esperar mais contrações para que ela saísse. Foram mais duas, as mais dolorosas. Conheci a placenta, uma árvore com raíz profunda e galhos ramificados. Perfeição da natureza. Minha recuperação foi tranquila, sem dor, os órgãos não estavam soltos dentro de mim. Amamentação até aproximadamente 1 ano. Amor que multiplica.
Sigo aprendendo a ser mãe com esses seres que me escolheram para ser a mãe deles. Sou grata a essa equipe maravilhosa do Instituto Nascer, me encanto e admiro cada vez mais pelo trabalho que fazem e pelas pessoas que são. Me sinto feliz de ter contribuído no processo de conquista pelo parto humanizado em BH. Que esse longo relato ajude outras mulheres a se encorajarem e seguirem o coração. Que sejam autoras de suas vidas, de seus partos.