Lina Santos

Como Enrico e Dante transformaram minha vida
Os relatos de parto que li durante as duas gestações, indicaram que eu estava no caminho certo ao esperar a hora do Dante chegar. Mostraram a certeza que o parto é um momento incerto, com inúmeros desfechos possíveis, e que seriam a informação de qualidade e as minhas escolhas os principais elementos responsáveis pela forma que o Dante ia chegar aos nossos braços.
Eu sinto, então, a necessidade de contar a minha história e assim estimular outras mulheres a buscar o seu protagonismo, assim como outros relatos me ajudaram um dia.
A GESTAÇÃO
Estava eu, com um bebê de 6 meses nos braços e desconfiando de uma nova gravidez. Loucura! Como vou ter coragem de entrar naquele ambiente de novo? Aquela sala de cirurgia tensa. Fria. Que eu não conhecia ninguém. Entregar meu corpo anestesiado para uma equipe que fazia aquilo friamente todo dia, que não conseguiu (ou não quis) olhar para mim e enxergar que o que eu precisava não era cirurgia e sim de apoio para passar pelo processo de trazer um filho ao mundo. E aquela sala onde pediram pra colocar a roupa do hospital. Cheia de gestantes, uma com bolsa rota, mas ainda sem contrações. Todas nós submetidas a um sistema de cesárias desnecessárias. Eu olhava pra elas, sabia que não precisávamos estar ali. Até hoje não sei pra onde foi minha coragem que não reagi a isso. Só chorei.
Mas dessa vez tinha mais motivos para bancar a minha decisão. Além de buscar mais saúde para mim e Dante, facilitar a amamentação, ter um puerpério mais tranquilo, eu também queria conseguir pegar o Enrico no colo assim que chegasse em casa da maternidade, sem limitações.
Eu não passaria mais por Violência Obstétrica. A conversa do “se estiver tudo bem teremos um parto normal”, “se você dilatar…” … blá blá blá. Me informei: dilatação só com trabalho de parto. Gestação pode ir até 42 semanas (ou mais). É possível um parto vaginal após cesariana! Entre outras coisas. Mergulhei nesse universo por um caminho sem volta.
Pisquei e chegamos a 39 semanas. Eu só tinha duas certezas: 1ª Era mais um menino. 2ª Eu não iria para o #### ## ##### de novo! Em uma ida a Belo Horizonte com Bruno (❤), lembrei do Instituto Nascer que encontrei no facebook. Que sonho ter aquela equipe comigo… Caímos lá de paraquedas, sem agendar. A Suzi nos mostrou as instalações. – Será que você consegue uma consulta com algum obstetra … pra agora? Agendamos com a Ludmila Guimarães para o mesmo dia. Quase duas horas de consulta. Os poucos mitos que ainda assolavam minha mente foram esclarecidos. To-tal-men-te diferente dos 3 obstetras que eu havia procurado até então. Foi então que entendi. Existem dois tipos de médicos(as) obstetras e devemos procurar os que se alinham com o que queremos: o(a) obstetra que vê o parto como um sofrimento e quer te “salvar”, e o(a) obstetra que reconhece que a mulher é dona de si e dona do seu parto e está totalmente disponível para assistir no que for (realmente) necessário. Era ali que eu queria estar.
A Ludmila sugeriu a Lena como doula. Quantas vezes li esse nome nos relatos de parto… Claro que seria ela!!!
40 semanas. Sessão de parto com Lena. Escalda pés. Lembro que uma das primeiras coisas que ela me perguntou: mas qual é o seu medo? Nossa!!! Era essa a pergunta que faltava para o meu pré-natal… 40 semanas da segunda gestação e nenhum profissional ainda havia me perguntado qual era o meu medo. Era dele que eu precisava me libertar pra me entregar ao parto do Dante. Medo da dor, claro. Foi aí que ouvi a frase que iluminou o que faltava do nosso caminho: O seu corpo não irá produzir uma dor que você não possa suportar. Está ecoando na minha cabeça até hoje, 10 meses depois.
40 semanas e 4 dias. Passamos a data (im)provável do parto. Ansiedade vem com tudo. Chamo a Lena pelo whatsapp, será que vou entrar em trabalho de parto? – Toda mulher entra em trabalho de parto! – Recomendações: produzir ocitocina natural: namorar, se emocionar, passear.
40 semanas e 6 dias. Tivemos mais uma das várias consultas com a Ludmila. Ultrassom, cardiotocografia, tudo ok! Podemos continuar a esperar a hora do Dante. A ansiedade já me deixava aos prantos, pois devido a cesariana anterior o procedimento de indução ao parto não poderia ser usado. Nesta conversa, decidi por realizar o descolamento de membranas. Eita ansiedade… hoje me questiono se isso era realmente necessário…
OS PRÓDROMOS
41 semanas (sexta-feira). Bruno me levou nas terapias para gestantes do Sofia Feldman (❤). Conheci um pedacinho do céu! Escalda pés com flores e ervas, ventosaterapia, mocha, auriculoterapia, chá de folha de algodão com abacaxi.
Às 17h, em casa, depois de um soninho da tarde, acordo com uma cólica semelhante a de menstruação, que com o tempo evoluiu para contrações um pouco mais doloridas, mas ainda estavam muito irregulares. Intervalos variando entre 20 e 40 min. “Deus fez as contrações, mas também criou os intervalos entre elas.” Entrei em contato com a Lena, se as contrações permanecessem irregulares durante a noite, provavelmente desapareceriam durante o dia. Vida normal, vida que segue. Se sentir vontade, descanse.
41 semanas, 1 dia (sábado). Por volta de 10h da manhã as contrações pararam. Diarréia durante o dia, meu corpo estava se preparando para o parto. Por volta de 20h as contrações voltaram, ainda irregulares. Lena disse que provavelmente o trabalho de parto engrenaria até o dia seguinte. Eu já não estava a fim de comer. Minha mãe (❤) foi a minha casa, fez uma sopa leve, jantamos e ela levou o Enrico pra dormir com ela e meu pai. Coração apertou… Essa noite foi difícil dormir, apesar de as contrações ainda estarem irregulares, com intervalos variando de 10 a 20 min, mas muito doloridas, usei bolsa de água quente todo o tempo. Suando frio durante as contrações, um cochilo leve nos intervalos. Lena foi sugerindo posições para experimentar durante as contrações e encontrar uma que proporcionasse mais conforto. Experimentei várias, mas foi de Gaskin (4 apoios) que me senti melhor. Nos intervalos eu deitava e cochilava novamente, fui perdendo o tampão aos pouquinhos durante toda noite e dia seguinte.
41 semanas, 2 dias (domingo). Essa ciranda foi durando toda a madrugada. Por volta de 3h eu já não aguentava mais e corri pro chuveiro (sugestão linda da Lena). Por que não fiz isso antes? Que alívio! Ainda dolorido, mas a água morna era como um abraço que diminuia a dor. Sentei no chão e fiz uma gambiarra prendendo o chuveirinho na direção em que estava doendo, no “pé” da barriga. Consegui dormir assim até umas 6h30. Chamei a Lena já quase desistindo, e falando que eu precisaria de uma cesariana, pois estava cansada de sentir dor. Ela me deu forças para continuar e orientou fazer contato com a Ludmila. Fiz o contato quando o dia começou a clarear. Descrevi como estávamos e marcamos uma avaliação na Maternidade Unimed às 13h, porém qualquer alteração antes desse horário eu deveria ligar novamente. Até lá não desgrudei da bolsa de água quente, arrumamos o que faltava levar, e esquecemos de almoçar. Eu já estava cansada de sentir dor… mas a causa era nobre. Nesse meio tempo, a Ludmila me ligou para saber como estava, eu já não estava mais conseguindo falar tanto… o processo já estava tomando conta de mim. Ela confirmou que o horário marcado seria o ideal, considerando a evolução em que estávamos.
Eu, Bruno e minha mãe saímos de Mateus Leme em direção a Belo Horizonte ao meio dia. Meu pai (❤) ficou com Enrico. Trabalho de parto num carro em movimento, só rindo mesmo. Tirava o cinto pra ficar de gaskin e o carro fazia a curva bem na hora da contração, eu não sabia se relaxava pra diminuir o desconforto ou se segurava pra não cair. Uma hora de viagem e chegamos ao Hospital Dia e Maternidade Unimed (HDMU). Aguardamos a Ludmila na recepção. A cada contração ficava de gaskin. Minha mãe que ficou na recepção o tempo todo, disse que eu fui a mulher em trabalho de parto mais deselegante que passou por ali naquele dia.
FASE LATENTE – inicial, ativa, transição
13h20. A Ludmila avaliou a dilatação: 6 cm! Fiquei toda animada! Agora vai! Ficaria em uma suíte sem banheira até liberar. Escolhi subir pela escada para ajudar no processo de dilatação. Já no quarto a Lena chega toda animada durante uma contração. – É isso mesmo! – Já passando o seu óleo cheiroso nas mãos para começar uma massagem… toda mulher merece uma doula! Não é essencial para parir, mas o conforto e a segurança que ela nos passa, não tenho palavras pra descrever. Olhando pra Lena e Ludmila eu tinha certeza que o meu plano de parto seria respeitado, e que se em algum momento a dor me tirasse o foco elas me lembrariam dos ideais que me levaram a começar a construir esta história. Lena foi sugerindo e eu experimentando diversas posições, mas era de gaskin que eu me sentia melhor durante as contrações. Nos intervalos caminhava, descansava, conversava… Fomos pro chuveiro… quando que vai liberar a banheira Lena? O chuveiro já não estava dando conta do recado. O anestesista de plantão apareceu, se apresentou e encerrou a sua fala: – tomara que você não precise de mim! – concordei e rimos. Para mim, a agulhada da anestesia era pior que a dor das contrações, então esta aparição não fez diferença. Mas talvez para outra parturiente a presença do anestesista durante o TP seja um convite a analgesia e seus efeitos colaterais possíveis.
Um tempo depois nos avisaram que a suíte PPP estava disponível, a Lena me enrolou em um lençol, fomos caminhando e pedi pra encher a banheira, olhos já constantemente fechados.
Depois da admissão eu não lembrei mais das horas, cada vez menos prestando atenção ao meu redor. A dor existe para desligar a mente, para que a ocitocina e demais hormônios consigam trabalhar e o corpo agir.
Variamos posições, caminhei nos intervalos, Lena, Bruno e Ludmila ofereciam água, picolé, chocolate, fiquei de gaskin, sentei no sanitário, sentei na cama, gaskin novamente, banheira….. ah… a banheira…… hoje vejo a água de outra forma, quase reverencio essa substância. A sensação que senti quando entrei na banheira foi de muito conforto diante de tantas horas de contrações.
A evolução da dilatação foi acompanhada de 2 em 2 horas conforme protocolo da maternidade e até o colo do útero chegar nos 9 cm seguíamos em um ritmo animador. Porém, o trabalho de parto estagnou aí. As contrações dolorosas continuavam, mas não estavam sendo efetivas. O cansaço depois de pródromos tão longos e doloridos já estava interferindo na evolução, aliado a isso a insegurança diante dos novos rumos que a minha vida ia tomar, com dois bebês em casa. Travou.
Comecei a indicar que estava extremamente cansada. A Lena sempre muito positiva, confia! Você veio buscar seu bebê! Ludmila sugeriu que poderíamos romper a bolsa artificialmente na tentativa de tornar as contrações mais efetivas na dilatação. Autorizei. Não senti dor além do que seria um exame de toque. Após uma hora o colo continuava na mesma.
Ela sugeriu o uso de ocitocina sintética. Eu não quis. E isso me balançou. Em plena fase de transição uma intervenção que eu tinha medo. É frequente nos relatos de parto que as contrações são mais dolorosas depois de administrada a ocitocina. Não. E já na partolândia eu pedi a cesariana. Era a única saída que eu enxergava. Bruno, Ludmila e Lena vieram me perguntar se eu tinha certeza. Ludmila explicou que a concentração de ocitocina seria mais baixa que a habitual, devido a cesariana prévia. Os três vieram até mim um a um, pegaram na minha mão e me lembraram sobre a minha escolha, que eu estava indo bem, que eu queria poder pegar o Enrico no colo quando chegasse em casa, que eu queria amamentar com mais facilidade e que eu tinha todas as condições para continuar tentando (batimento cardíaco do Dante sempre ótimo). Elas me deixaram sozinha com o Bruno na suíte, conversamos um pouco…. essa fase é meio confusa pra mim, e já não abria os olhos muito, a penumbra tomava conta, o ambiente estava quente, e a dor estava ali, junto ao cansaço extremo. Me deram um tempo para pensar e depois a Lena veio dizer que era a hora de decidir o que eu queria – Vai ser bem diluído mesmo? – Ludmila confirmou e então eu topei. O enfermeiro veio até mim realizar o acesso. Estava eu grudada num soro. Não era o que eu queria, mas foi assim que escrevi a minha história.
Elas falaram que eu poderia voltar para a banheira se quisesse e até descansar lá. Dormia e as contrações me acordavam. Essa uma hora voou para mim. Acho que foi uma hora.
Descansei, mas os 9 cm de dilatação do colo ainda estavam ali. Como foi triste ouvir isso. E agora… a cesariana não era uma opção pra mim.
E naquele momento eu não conseguia entender as amarras psicológicas que estavam comprometendo o andamento do meu trabalho de parto. Acho que perguntei o que poderíamos fazer. Ludmila propôs redução de colo: em um exame de toque ela afastaria o colo do útero para artificialmente chegarmos a dilatação total. Vai doer né?! Aquela pergunta que eu já sabia a resposta. Bora, estamos na chuva, vamos molhar. Foi rápido.
EXPULSIVO
Eu queria o expulsivo e o nascimento na banheira, mas não encontrava posição. A equipe sugeriu que eu experimentasse a banqueta de parto, me apoiando no corpo do Bruno, sentado atrás de mim. Não é dos lugares mais confortáveis, mas ali rolou. Eu visualizava o Dante descendo no plano de Lee. Muito cansaço… não me lembro de onde partiu que eu poderia auxiliar o meu útero nesse processo, fazendo força durante as contrações. Somente durante as contrações, nos intervalos como sempre descansar. Lembro que chegou um ponto que pedi a Lena que fizesse os movimentos de respiração junto comigo, que não me lembrava mais como deveria ser. Também pedi que me avisasse quando as contrações aconteciam, pois mesmo doendo eu estava já um pouco (ou muito) confusa. Em alguns intervalos eu caminhava. Andava e a dor que sentia na lombar parecia que os ossos do meu quadril se abriam, se afastavam… e era isso mesmo. Em algum momento a GO Gisele Maciel chegou para acompanhar o parto também, me deu forças para continuar em forma de palavras e filmou os momentos finais do expulsivo.
Acredito que essa fase tenha durado cerca de 1 hora. De repente deu aquela vontade do nº 2… mas era ele chegando, as sensações se parecem. Eu não sentia mais dor, sentia meu corpo se abrindo lentamente, sentia o corpo do Dante ali, mas dor não tinha mais. Não me lembro de ter sentido o famoso círculo de fogo, lembro somente de senti-lo ali. Saindo pouco a pouco a cada contração. Estava terminando. Não lembro quantas foram as contrações até o Dante sair completamente, só sei que ele nasceu! Às 22h40 do dia 05 de fevereiro de 2017! Conseguimos! Períneo integro e o melhor nascimento que você poderia ter meu filho! Pegamos você no colo… era real! Mais um menino! Apgar excelente. A avaliação foi feita ainda no meu colo. Sem banho no primeiro dia de vida para facilitar a amamentação e manter a proteção que o vérnix caseoso te proporcionava. Gente, que barato que dá esse negócio de parir… isso tem que ser estudado, provável que seja possível fabricar alguma substância antidepressiva com esse coquetel de hormônios do pós-parto imediato. (só do imediato, porque depois …)
DEQUITAÇÃO DA PLACENTA
Fui para a cama para o acompanhamento da saída da placenta. Sei que foi rápido, tranquilo e com contrações mais tranquilas. Enquanto isso o Dante no meu colo. Coloquei-o no peito e a pega do peixinho já foi de primeira (o que não quer dizer que depois não tive que trabalhar a pega durante todo o primeiro mês) . Bruno depois pegou um pouco… comemoramos a nossa conquista com muito sorriso no rosto.
Esse relato é do parto como eu lembro… mas nesse processo de ir para a partolândia com certeza acabei perdendo alguns detalhes, ou vendo os fatos de forma diferente do Bruno e da equipe. A certeza que eu tenho é que a rede de apoio construída pra esse processo acontecer foi essencial: mãe, pai, Bruno, Enrico e Dante vocês foram os pilares dessa história e me deram força para ir até o fim.
☛☛☛ A equipe do Instituto Nascer merece um parágrafo a parte. Lena Rubia Borgo Bezerra (doula), Ludmilla Maria Guimarães Pereira (GO1) e Gisele Maciel (GO2). Profissionalismo, dedicação e entrega. Tenho certeza que uma entrega como a que eu vivenciei, só quem ama o que faz é capaz de realizar. A humanização deveria ser o padrão de atendimento a todas as mulheres e para mim essa busca se tornou uma missão.
Chegando da maternidade peguei o Enrico e Dante no colo, com um sorriso de gratidão que aparece sempre que olho pra eles.

Lina Santos

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para o topo