Relato de Parto – Jania Lurdes
Desde menina tive medo do parto, devido histórias que escutei da minha mãe; medo de morrer. Apesar disso, decidi engravidar duas vezes, com esse medo a espreita. Desde a primeira gestação escolhi um parto normal, com o mínimo de intervenções (invasões) sobre meu corpo. Foi quando encontrei Mayara, obstetra que me acolheu no meu medo, me informou e caminhou comigo no meu desejo e, desse modo, me preparei no que foi possível. No entanto, não concretizei o meu desejo e, me sentindo segura e confiante nas palavras da minha obstetra, uma cesárea humanizada, necessária, aconteceu no que dependeu dela. Três anos se passaram e engravidei novamente com o mesmo medo…de morrer e, desta vez, deixar minha primeira filha e uma bebê tão esperada por desejar que desta vez houvesse mais leveza em nosso encontro.
Procurei por Mayara que me acolheu como da primeira vez, entretanto, não poderia estar comigo nesta nova jornada. Isso me impactou profundamente; tive mais medo. Com outras obstetras o encontro não aconteceu no sentido da alegria, pelo contrário, foi na via da tristeza, com intervenções desnecessárias, que não me faziam sentir acolhida na minha experiência de gestação. Por isso, com o apoio do meu companheiro Álvaro, decidimos nos preparar e receber nossa bebê Helena em outra cidade. Com 36 semanas fomos para BH; conhecemos nossa doula Rebeca, Adrinez, a enfermeira obstétrica, e reencontramos nossa obstetra Mayara. Que reencontro e encontros! Estes sim, de alegria! Num espaço de vida que se destaca e resiste a forças contrarias a humanização: o IN. Como sou grata pela minha obstetra estar neste lugar, pois, assim, também eu, Álvaro e nossa bebê pudemos vivenciar em ato o que buscamos: acolhimento, respeito e segurança.
Passamos pelas entrevistas, fiz meu plano de parto, fizemos a sessão de parto…tudo tão quentinho em dias frios de inverno e, aos poucos, entrando em conexão comigo mesma e com minha bebê. Por eu estar com diabetes gestacional descontrolada e 38 semanas gestacionais completas, iniciou-se a indução do parto com métodos naturais: spinning baby, descolamento de membranas, shake e, finalmente, com 38+6 estourou-se a bolsa, já internada na maternidade. Após 30 minutos senti um soco dentro de mim, foi tão assustador que gritei! Lembro de Adrinez junto com Rebeca me levarem para o chuveiro dizendo que começariam as contrações. E assim aconteceu!
Contrações intensas, fortes, soberanas sobre mim. Lembro de dizer: “vou desmaiar!”
E Adrinez, na sua calma: “entre uma contração e outra pode” e me explicar o que acontecia para eu estar daquele jeito. Chamei meu marido que me segurou, literalmente e metaforicamente, em todo meu trabalho de parto. Pois, entre uma contração e outra eu amolecia e ele me segurava para não cair. Fiquei muito tempo no chuveiro com Rebeca fazendo massagens nas costas, me dizendo o quanto estava me saindo bem; Álvaro me segurando e Adrinez me avaliando e dando a mão para eu apertar. Que vontade de apertar o que se tem a frente quando a contração chega! Que força é essa que emana pelas mãos!? E como a vocalização ajuda a conectar e fazer passar a contração. E Mayara observando, deixando acontecer o que tanto esperamos.
Com ajuda de todos fui para a banheira, algumas horas depois. A agua quente era o que aliviava a percepção das contrações e eu pedia mais e mais água.
Prontamente era atendida. Fiquei deitada de lado por um bom tempo na banheira; depois virei para o outro lado, sentindo as contrações soberanas, já sem forças para falar ou abrir os olhos. Foi então que uma vontade de empurrar começou e, vagarosamente, comecei a me lembrar das simulações de parto que tinha feito nas sessões de fisioterapia pélvica. Comecei a me concentrar para fazer a força que havia sido instruída, mas tornar cognitivo o que passa no real do corpo no exato momento que acontece não é fácil.
Recordar e tentar aplicar, tornando experiência vívida, é um desafio, mas algo acontece e se faz possível. Minha obstetra, todo momento por perto, acompanhando o que acontecia comigo e com minha bebê, a espera, com tranquilidade. Não somente ela, mas suas companheiras de nascimento também, fizeram do meu tempo o seu tempo, observando o que se passava comigo. E, desse modo, me respeitaram quando pedi silêncio total. Como foi mágico e respeitoso! Eu me conectar comigo e com Helena, me concentrar, sentir cada contração que se aproximava e ia embora como uma onda que me atravessava, mas que não me levava…mais e mais, e todos ali me ajudando, comunicando-se por sinais. Eu não lembro disso, mas meu marido me contou depois. E, desse modo, Adrinez sugeriu que eu ficasse de cócoras. Eu não tinha forças para tanto, mas foi meu marido que me segurou assim por 11 minutos para que Helena nascesse, após quatro horas de trabalho de parto. E foi assim que Helena chegou, em meio ao silêncio e a emoção, com os olhos bem abertos, observando o seu redor e somente depois de alguns minutos chorou brevemente. Me emociono quando lembro de Mayara dizendo: “como foi tranquila a passagem de Helena”. Posso dizer que sim, esperamos e ela chegou no seu tempo, sem pressa, mas intensa. Proporcionamos essa chegada para Helena e agora, ela e sua irmã Lígia, terão outras referências sobre o nascimento: respeito e amor.
E em meio a afetos de alegria meu medo se dissipou em vida e eu pari como desejei, um lindo parto natural, não sem dor, mas com respeito e acolhimento.
Fui protagonista e não estive sozinha em nenhum momento, isso gerou confiança de que conseguiria. Como foi maravilhoso me sentir cuidada por mulheres que compreenderam meu tempo, meu corpo e meus sentimentos, que me escutaram em minha singularidade e trabalharam em equipe, uma respeitando a outra e aprendendo conjuntamente.
Agradeço meu irmão Jonas e cunhado Rafael pela acolhida. Vocês ajudaram sustentar meu desejo e quererem compartilhar da chegada de Helena me faz confirmar que o amor torna nossos dias mais leves.