Você sabia que a maioria dos trabalhos de parto começa durante a noite? Estimativas apontam que cerca de 70% dos partos espontâneos têm início no período noturno. Esse padrão não é fruto do acaso, mas sim resultado de um refinado mecanismo fisiológico que envolve a interação entre hormônios, ritmos biológicos e aspectos ambientais.
A ciência já demonstrou que o trabalho de parto está intimamente ligado ao ritmo circadiano, nosso relógio biológico interno, que regula o sono, a temperatura corporal e a liberação de hormônios ao longo do dia. Durante a noite, esse sistema favorece condições ideais para o início das contrações uterinas e para a progressão do parto.
O papel da melatonina
A melatonina, conhecida como o hormônio do sono, é produzida principalmente à noite, em resposta à escuridão. Além de induzir o sono e promover relaxamento, ela tem um papel direto na regulação do parto. Estudos mostram que a melatonina aumenta a sensibilidade do útero à ocitocina, facilitando a coordenação e a intensidade das contrações. Isso significa que a melatonina age em sinergia com outros hormônios para que o trabalho de parto seja mais eficiente.
A ocitocina: o hormônio do amor e das contrações
A ocitocina é fundamental para o nascimento. Produzida no hipotálamo e liberada pela hipófise, ela estimula as contrações uterinas e, ao mesmo tempo, promove sentimentos de vínculo e afeto entre mãe e bebê. Durante a noite, em um ambiente de menor luminosidade e maior privacidade, a ação da ocitocina é potencializada pela melatonina, o que explica a maior frequência de início de partos nesse período.
O cortisol e a redução do estresse
Outro fator importante é o cortisol, conhecido como hormônio do estresse. Seus níveis tendem a cair durante a madrugada, criando um cenário mais favorável para o parto. Isso porque o excesso de cortisol pode inibir a ação da ocitocina e dificultar a progressão do trabalho de parto. Assim, o ambiente noturno, com níveis naturalmente mais baixos de estresse, torna-se ideal para que o processo se desenvolva de forma fisiológica.
A lógica da natureza
Se pensarmos na perspectiva evolutiva, faz sentido que o trabalho de parto aconteça com mais frequência à noite. O ambiente noturno oferece mais segurança, privacidade e menos estímulos externos, fatores que contribuem para proteger mãe e bebê durante um momento tão vulnerável. Esse comportamento, que ainda observamos nos seres humanos, é semelhante ao de outros mamíferos que também preferem parir à noite ou em locais escuros e protegidos.
O que isso significa para as mulheres hoje
Compreender esses mecanismos reforça a importância de respeitar os processos fisiológicos do parto. Criar ambientes de parto que favoreçam a intimidade, a penumbra, o silêncio e a sensação de segurança não é apenas uma questão de conforto, mas também uma estratégia baseada em ciência para favorecer a evolução natural do trabalho de parto.
No Instituto Nascer, acreditamos que o corpo da mulher é sábio e que, quando apoiado por um cuidado multiprofissional humanizado e pela medicina baseada em evidências, pode vivenciar o nascimento de forma mais segura e respeitosa.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 3445
Fontes:
• ACOG. Approaches to Limit Intervention During Labor and Birth. Committee Opinion No. 766. Obstet Gynecol. 2019.
• RCOG. Intrapartum care for healthy women and babies. NICE Guideline NG190, 2021.
• Sharkey JT, et al. Melatonin synergizes with oxytocin to enhance contractility of human myometrium. J Clin Endocrinol Metab. 2009.
• Olcese J, Beesley S. Clinical significance of melatonin receptors in the human myometrium. Fertil Steril. 2014.
• Arulkumaran S, et al. Physiology of human parturition. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2022.
