A vacinação durante a gestação é uma das estratégias mais eficazes para proteger mãe e bebê contra doenças infecciosas potencialmente graves. O sistema imunológico da gestante sofre adaptações naturais, tornando-a mais vulnerável a infecções. Ao mesmo tempo, o recém-nascido, especialmente nos primeiros meses, ainda não tem o sistema imune completamente desenvolvido — tornando-o dependente da proteção passiva oferecida pelos anticorpos maternos transferidos via placenta.
As vacinas recomendadas na gravidez têm comprovada segurança e trazem benefícios significativos, tanto em termos de prevenção individual quanto de saúde pública.
Princípios norteadores da vacinação na gestação
- Segurança materno-fetal: somente vacinas com histórico robusto de segurança são indicadas.
- Evitar vacinas com vírus vivos atenuados durante a gravidez, por risco teórico ao feto.
- Melhor janela vacinal: determinadas vacinas devem ser aplicadas em momentos específicos da gestação para otimizar a produção e transferência de anticorpos.
Vacinas recomendadas de rotina na gravidez pelo Ministério da Saúde (PNI – 2023/2024)
1. dTpa (Tríplice bacteriana acelular do adulto):
- Composição: Difteria, Tétano e Coqueluche (acelular).
- Indicação: Uma dose a cada gestação, a partir da 20ª semana, preferencialmente entre 27 e 36 semanas para otimizar a transferência de anticorpos ao bebê.
- Objetivo: Proteger o recém-nascido contra coqueluche, uma doença potencialmente fatal nos primeiros meses de vida. A vacinação materna reduz em até 90% o risco de hospitalização por coqueluche nos 3 primeiros meses de vida.
- Importante: A vacinação de contatos próximos (“estratégia casulo”) é recomendada sempre que possível.
- Dose: 1 dose por gestação, mesmo que a gestante já tenha recebido anteriormente
2. Influenza (gripe):
- Indicação: Em qualquer trimestre da gestação, durante a campanha anual de vacinação.
- Objetivo: Reduzir risco de hospitalizações, complicações respiratórias e mortalidade materna e neonatal.
- Evidência: Gestantes vacinadas apresentam menor risco de parto prematuro e de recém-nascido pequeno para a idade gestacional (Cochrane, 2023).
3. Hepatite B:
- Esquema: 3 doses no total (0 – 1 – 6 meses), se não vacinada previamente.
- Indicação: Em qualquer trimestre da gestação.
- Objetivo: Prevenir transmissão vertical e infecção crônica no recém-nascido.
- Importante: Teste sorológico (HBsAg) deve ser feito em todos os pré-natais.
4. COVID-19
- Quando aplicar? Em qualquer trimestre da gestação.
- Dose: Uma dose por gestação, conforme recomendação do Ministério da Saúde.
- Por quê? A infecção por COVID-19 durante a gravidez aumenta o risco de complicações graves como pré-eclâmpsia, parto prematuro e internações em UTI.
- Segurança: Dados robustos mostram que as vacinas COVID-19 (como a da Pfizer) são seguras e eficazes na gestação, além de promoverem transferência de anticorpos para o bebê.
5. Abrysvo (vacina contra o Vírus Sincicial Respiratório – VSR)
- Quando aplicar? Entre 24 e 36 semanas, preferencialmente entre 32 e 36 semanas.
- Por quê? O VSR é a principal causa de bronquiolite e pneumonia em bebês nos primeiros meses de vida. A vacinação materna reduz em até 82% as formas graves de infecção respiratória por VSR nos primeiros 3 meses e em 69% até 6 meses de idade.
- Situação atual: Aprovada pela CONITEC e já incorporada ao SUS. Em fase de implementação pelo PNI.
Vacinas que podem ser indicadas em situações específicas
1. Hepatite A:
- Indicada em contextos de risco elevado de infecção.
- Avaliação de risco-benefício individual.
2. Meningocócica conjugada (ACWY ou C):
- Em gestantes com condições clínicas especiais (esplenectomia, doenças imunossupressoras, surtos).
3. Pneumocócica (23-valente):
- Para gestantes com doenças crônicas, imunossupressão ou asplenia.
Vacinas contraindicadas na gestação (com vírus vivos atenuados)
Essas vacinas não devem ser aplicadas durante a gestação, mas podem ser administradas no pós-parto imediato, especialmente se não houver evidência de vacinação prévia:
- Tríplice viral (sarampo, caxumba, rubéola – SCR)
- Varicela (catapora)
- Febre amarela (avaliar risco-benefício em áreas de surto com recomendação formal do Ministério da Saúde)
Pós-parto e puerpério: oportunidade para atualizar o calendário
O puerpério é uma janela importante para proteger a mulher e o bebê, principalmente no aleitamento materno. Devem ser priorizadas:
- Vacinas contraindicadas na gestação
- Vacinas pendentes (dTpa, hepatite B, Influenza)
- Imunização de parceiros e cuidadores próximos (estratégia casulo)
Evidências científicas e impacto em saúde pública
Estudos robustos mostram que a vacinação materna:
- Reduz hospitalizações por coqueluche em até 90% nos primeiros 3 meses de vida (ACIP/CDC 2022).
- Reduz internações e complicações respiratórias associadas à Influenza em gestantes e recém-nascidos.
- É segura: as vacinas recomendadas não aumentam o risco de aborto, malformações ou parto prematuro (UpToDate, Cochrane, ACOG, 2023).
Conclusão
Vacinar durante a gestação é um ato de cuidado, proteção e amor. O pré-natal deve ser uma oportunidade para educação em saúde e garantia de imunização adequada, com abordagem baseada em evidências, acolhimento e combate à desinformação.
O Instituto Nascer valoriza práticas seguras e humanizadas, e apoia integralmente o calendário vacinal preconizado pelo Programa Nacional de Imunizações.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Fontes e Referências:
- Ministério da Saúde do Brasil. Manual Técnico de Vacinação da Gestante e Puérpera – PNI
- Centers for Disease Control and Prevention (CDC). ACIP Guidelines. Updated 2022.
- ACOG (American College of Obstetricians and Gynecologists). Committee Opinion No. 741: Maternal Immunization. Obstet Gynecol. 2018.
- Cochrane Library. Maternal vaccination for preventing neonatal infection. Updated 2023.
- UpToDate. “Immunizations during pregnancy”. Last updated 2024.
- WHO. Immunization in pregnancy: WHO Position Paper, 2023.