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Perda Gestacional no 1º Trimestre: Compreensão, Cuidados e Caminhos Possíveis

O abortamento espontâneo no primeiro trimestre é uma experiência comum e, muitas vezes, devastadora na trajetória reprodutiva de muitas mulheres. Ainda cercado de tabus e desinformação, é fundamental falarmos sobre o tema com acolhimento, empatia e ciência — oferecendo um cuidado baseado em evidências, livre de julgamentos e que respeite o tempo e o corpo de cada mulher.

O que é o abortamento no primeiro trimestre?

O abortamento espontâneo é definido como a perda gestacional antes de 20 semanas de gestação (em alguns países, como o Reino Unido, antes de 24 semanas). Quando ocorre até a 12ª semana, é classificado como abortamento precoce — o tipo mais comum.

Estima-se que até 20% das gestações clinicamente reconhecidas terminem em abortamento espontâneo, a maioria no primeiro trimestre. No entanto, muitas perdas ocorrem antes mesmo da mulher saber que está grávida.

Por que acontece?

Na imensa maioria dos casos (60% a 80%), a causa está relacionada a alterações cromossômicas aleatórias no embrião, incompatíveis com a vida. São eventos naturais e não evitáveis.

Outros fatores que podem estar associados incluem:

  • Idade materna avançada (especialmente >35 anos)
  • Histórico prévio de abortamento
  • Malformações uterinas
  • Distúrbios hormonais ou metabólicos (como diabetes ou hipotireoidismo descompensado)
  • Infecções específicas (citomegalovírus, toxoplasmose, entre outras)
  • Trombofilias hereditárias ou adquiridas (em menor proporção)

Importante destacar: atividade física, relações sexuais, emoções fortes ou estresse emocional não causam abortamento espontâneo.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é baseado em dados clínicos, ultrassonográficos e laboratoriais, quando necessário. A paciente pode apresentar:

  • Sangramento vaginal (leve ou intenso)
  • Dor em cólica na região pélvica ou lombar
  • Desaparecimento dos sintomas gestacionais (náuseas, aumento das mamas)

O ultrassom transvaginal é o padrão ouro para avaliação da viabilidade gestacional e do conteúdo uterino. Segundo critérios do NICE e da ACOG, há diagnóstico de abortamento quando:

  • Em gestação ≥ 7 semanas, sem embrião visível com saco gestacional ≥25mm.
  • Quando há ausência de batimentos cardíacos em embrião ≥7mm.
  • Quando há desaceleração ou ausência de progressão em ultrassons seriados (com intervalo mínimo de 7 a 14 dias).

Quais são os tipos de abortamento?

  • Abortamento inevitável: colo dilatado, com sangramento ativo e perda iminente.
  • Abortamento incompleto: parte dos tecidos foi eliminada, mas há retenção intrauterina.
  • Abortamento completo: todos os tecidos gestacionais foram expelidos espontaneamente.
  • Abortamento retido (ou silencioso): embrião não evoluiu, mas o corpo não expulsou o conteúdo uterino.

Quais são as opções de tratamento?

As evidências científicas mais atuais reconhecem três abordagens seguras e eficazes, cuja escolha deve considerar o desejo da mulher, seu estado clínico e os achados ultrassonográficos:

1. Conduta Expectante (esperar naturalmente a expulsão)

Indicada em casos de abortamento retido ou incompleto, especialmente se a mulher estiver estável, sem sinais de infecção ou sangramento intenso. Estudos mostram que até 70-80% das mulheres expulsa espontaneamente os tecidos em até 2 semanas.

Vantagens: evita intervenções médicas, respeita o tempo do corpo, menos invasiva.
Desvantagens: risco de sangramento prolongado, necessidade de acompanhamento ultrassonográfico e eventual mudança de conduta.

2. Tratamento Medicamentoso (Misoprostol)

Recomendado pela OMS, NICE e ACOG. A administração de Misoprostol vaginal ou sublingual (doses variam de 800mcg a 1.200mcg, com possíveis repetições) promove contrações uterinas que auxiliam na expulsão.

Eficácia: 80-90% dos casos.
Vantagens: evita cirurgia, pode ser feito em casa com suporte da equipe.
Desvantagens: cólicas intensas, náuseas, diarreia, necessidade de reavaliação após 7-14 dias.

3. Tratamento Cirúrgico (Curetagem ou AMIU)

Indicada em casos com sangramento intenso, sinais de infecção, falha do tratamento medicamentoso ou desejo da paciente. A técnica de escolha preferencial, segundo a OMS e Cochrane, é a Aspiração Manual Intrauterina (AMIU) por ser mais segura, menos traumática e com menores riscos de aderências do que a curetagem instrumental.

Vantagens: resolução rápida, menor incerteza.
Desvantagens: risco anestésico, perfuração uterina, sinéquias (síndrome de Asherman).

Cuidados após o abortamento

O suporte emocional e físico após um abortamento é fundamental.

  • Aspectos físicos: o sangramento leve pode durar até 2 semanas. A ovulação pode retornar já em 2-4 semanas. Se não houver intercorrências, não é necessário adiar uma nova tentativa de gestação.
  • Anticoncepção: pode ser iniciada imediatamente após o abortamento, se desejado.
  • Aspectos emocionais: o luto gestacional é real. Acolher a dor e respeitar o tempo emocional da mulher e do casal é tão importante quanto qualquer prescrição.

Prevenção é possível?

Na maioria dos casos, não é possível prevenir abortamentos precoces causados por anomalias cromossômicas. No entanto, algumas condutas podem contribuir para a redução de riscos em determinadas situações:

  • Uso de ácido fólico pré-concepcional
  • Controle de doenças crônicas maternas (como diabetes, hipertensão, distúrbios da tireoide)
  • Suspensão do tabagismo e do uso de álcool ou drogas
  • Investigação e tratamento individualizado em casos de perdas recorrentes (≥2 ou 3 perdas consecutivas)

Abortamento recorrente: quando investigar?

A investigação é indicada, segundo a ESHRE, ASRM e RCOG, após 2 ou mais perdas gestacionais consecutivas, especialmente em gestações confirmadas por ultrassonografia ou beta-hCG.

Os exames podem incluir:

  • Cariótipo do casal
  • Avaliação uterina (histerossalpingografia, histeroscopia)
  • Investigação de trombofilias (especialmente SAF)
  • Dosagem hormonal e autoimunidade

O impacto emocional do abortamento espontâneo

Mesmo quando a gestação ainda está no início, o vínculo emocional já pode ser profundo. Muitas mulheres sentem tristeza, culpa, fracasso, raiva ou até alívio — e todas essas emoções são legítimas. A dor da perda gestacional é invisível para o mundo, mas real para quem a vive.

Estudos mostram que até 30% das mulheres apresentam sintomas de ansiedade e depressão nas semanas subsequentes ao abortamento, sendo que em alguns casos esses sentimentos podem perdurar por meses. Quando o sofrimento se prolonga ou interfere nas atividades diárias, é essencial oferecer acompanhamento psicológico especializado.

Direitos da mulher: informação, autonomia e acolhimento

A mulher que passa por um abortamento espontâneo tem o direito de:

  • Receber informações claras e baseadas em evidências sobre suas opções de conduta.
  • Escolher, sempre que possível, entre tratamento expectante, medicamentoso ou cirúrgico.
  • Ser acompanhada e respeitada durante todo o processo, sem julgamentos.
  • Ter acesso a cuidados pós-abortamento humanizados, com atenção à saúde física e emocional.
  • Não ser culpabilizada nem moralizada por sua perda.

Infelizmente, no Brasil, muitas mulheres relatam experiências de negligência, descaso ou violência obstétrica em contextos de abortamento. No Instituto Nascer, combatemos essa realidade com conhecimento, ética e uma escuta ativa que coloca a mulher no centro das decisões.

A importância do cuidado multiprofissional

O abortamento espontâneo não é apenas um evento ginecológico. É um acontecimento biopsicossocial que exige uma resposta sensível, interdisciplinar e baseada em evidências. Médicas(os), enfermeiras(os), psicólogas(os), doulas e assistentes sociais — todos podem (e devem) ter um papel no cuidado compassivo a essas mulheres.

No Instituto Nascer, nossa prática é orientada por três pilares:

  1. Protagonismo da mulher: ela deve ser a principal tomadora de decisão.
  2. Atenção interdisciplinar e integrativa: cuidado que olha para além do útero.
  3. Medicina baseada em evidências: ciência aplicada com sensibilidade.

Abortamento e ética: um cuidado que também salva vínculos

Lidar com o abortamento exige sensibilidade ética. Em cada perda há uma história de esperança, expectativas e, muitas vezes, de luto. Respeitar esse processo é uma forma de preservar a saúde mental, o desejo reprodutivo futuro e a confiança da mulher no sistema de saúde.

Cuidar bem de uma mulher que abortou é plantar confiança para quando ela desejar engravidar novamente. É transformar uma experiência de dor em oportunidade de reconstrução e empoderamento.

Para além do evento: o Instituto Nascer está com você

Abortamento não é o fim. É um capítulo doloroso, mas que pode ser atravessado com acolhimento, escuta e ciência. Se você passou ou está passando por um abortamento espontâneo, saiba: você não está sozinha. E há maneiras seguras, respeitosas e atualizadas de cuidar do seu corpo, da sua saúde e da sua história.

No Instituto Nascer, acolher a vida também é acolher as perdas — com a mesma dignidade, atenção e amor.

Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455

Referências científicas

  • ACOG Practice Bulletin No. 200. Early Pregnancy Loss. Obstet Gynecol. 2018.
  • NICE Guideline NG126. Ectopic pregnancy and miscarriage: diagnosis and initial management. 2019.
  • RCOG Green-top Guideline No. 25. The Management of Early Pregnancy Loss.
  • WHO. Safe abortion: technical and policy guidance for health systems. 2nd ed.
  • Cochrane Database of Systematic Reviews. Medical vs surgical management of miscarriage.
  • UpToDate. Early pregnancy loss: Evaluation and management. 2024.
  • ESHRE Guideline Group on RPL. Human Reproduction Open. 2018.
  • ASRM Committee Opinion: Recurrent Pregnancy Loss. Fertility and Sterility. 2020.

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