No livro “A Cientificação do Amor”, o obstetra francês Michel Odent — um dos maiores ícones mundiais do parto humanizado — nos convida a uma reflexão profunda sobre o nascimento como o primeiro capítulo da biografia emocional e fisiológica de cada ser humano. Longe de uma abordagem puramente técnica, Odent mergulha em um universo onde biologia, neurociência, amor e civilização se entrelaçam.
O nascimento é um ato de amor — e de neurofisiologia
Odent parte de uma pergunta essencial: como nasce o amor humano? Segundo ele, a capacidade de amar tem raízes nas experiências hormonais e emocionais vividas no início da vida — especialmente no processo de nascimento. Durante o trabalho de parto, o cérebro da mãe libera ocitocina, conhecida como o “hormônio do amor”, em picos que favorecem o vínculo, o cuidado e a empatia.
Mas essa orquestra hormonal só se dá quando o ambiente respeita a fisiologia. Luzes fortes, interrupções constantes, intervenções desnecessárias e ambientes frios ou impessoais são vistos por Odent como obstáculos à liberação hormonal ideal, transformando o nascimento em um evento de medo e estresse — e não de entrega e confiança.
Amor exige privacidade e segurança
Assim como os mamíferos precisam de um espaço protegido para parir, os humanos também precisam de intimidade, segurança emocional e ausência de julgamentos para que o corpo da mulher possa liberar os hormônios certos, na hora certa. Por isso, Michel Odent defende um modelo de cuidado que elimina distrações e interferências desnecessárias, colocando a mulher no centro do processo, com apoio respeitoso e silencioso da equipe.
“Para amar, é preciso ter sido amado. Para amar, é preciso ter sido gerado e nascido em um ambiente amoroso.” — Michel Odent
A era da “cientificação do amor”
O título do livro parece paradoxal, mas é uma provocação genial: Odent mostra que a ciência hoje confirma aquilo que a natureza sempre soube. A neurociência perinatal, a psicologia do desenvolvimento e a epigenética reforçam a ideia de que o nascimento influencia a vida inteira. O modo como nascemos, o quanto fomos tocados, acolhidos e respeitados nos primeiros momentos molda o cérebro, o sistema imunológico e até a nossa capacidade de amar e confiar.
Portanto, “cientificar o amor” não é reduzi-lo a números, mas reconhecer — com base nas melhores evidências — que o amor nasce de experiências corporais, emocionais e hormonais concretas. E que cuidar do parto é cuidar do futuro da humanidade.
No Instituto Nascer, esse pensamento vive na prática
No Instituto Nascer, nos inspiramos diariamente nos ensinamentos de Michel Odent. Valorizamos a fisiologia, respeitamos os tempos do corpo e da alma, e acreditamos que o parto humanizado é mais do que um direito: é uma estratégia de saúde pública. Porque quando um nascimento é acolhido com amor e ciência, ele transforma não só aquela família, mas o mundo.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Fontes:
- Odent, Michel. The Scientification of Love. Free Association Books, 2001.
- Buckley, Sarah. Hormonal Physiology of Childbearing, 2015.
- Cochrane Library: Interventions during labour and their effects on maternal-infant bonding.
- RCOG & NICE Guidelines on Intrapartum Care.