A DIALÉTICA DO NASCIMENTO NO BRASIL
A obstetrícia clássica brasileira pouco se preocupou, durante as últimas décadas, em saber se as mulheres estavam satisfeitas com a forma como eram cuidadas no momento do nascimento de seus filhos, em especial aquelas que viviam partos naturais ou normais. Mãe saudável fisicamente e filho saudável ao final desse processo bastavam para que o sistema obstétrico acreditasse que seu papel estava cumprido com perfeição.
Hoje temos no Brasil um modelo clássico de cuidado ao nascimento que está sendo fortemente combatido, que poderíamos chamar de “modelo tese”. Esse modelo tem valores e metodologias de cuidado centrados no médico, na patologia, na doença e nas intervenções excessivas em todo o processo do nascimento, levando a um grande número de cesarianas banais e desnecessárias, partos normais violentos e pouca ou quase nenhuma autonomia feminina para escolher de que forma gostaria de viver esse momento. Uma consequência desse modelo são as quase sempre negativas experiências de parto normal por parte das mulheres e das famílias em nossa sociedade.
Esse modelo centrado no médico, na patologia, na intervenção desnecessária e em altas taxas de cesarianas possui pouco mais de quatro décadas no Brasil. Ele é um reflexo da nossa sociedade. Hoje vivemos no mundo da tecnologia, da rapidez, do planejamento. Temos hoje uma geração que não sabe lidar com a dor e com as dificuldades do não planejado. Temos uma geração ansiosa e pouco resiliente, onde a espera pelo nascimento fisiológico é quase sempre angustiante e por vezes não respeitada pelos cuidadores de saúde, pelas mulheres e suas famílias.
Então criou-se uma antítese nesse movimento dialético, chamado modelo humanista. Começamos a questionar o modelo atual porque de fato ele possui muitos equívocos, principalmente no aspecto humano do cuidado, mas também nos aspectos éticos, científicos e de organização. Entretanto esse modelo também possui virtudes! Só que no pêndulo histórico, toda vez que questionamos um modelo anterior para criar um novo, temos a tendência de jogar fora o que era ruim, mas também acabamos jogando fora o que era bom. Não aproveitamos as virtudes!
O modelo humanista (antítese) baseia-se na mulher e nas suas escolhas e é centrado na família e na medicina baseada em evidências. Trata-se de um modelo onde o parto é visto como um evento fisiológico que todas as mulheres seriam capazes de vivenciar de forma saudável, segura e feliz. Houve muitos ganhos, principalmente no que diz respeito ao aspecto humano do cuidado, à autonomia feminina e ao resgate do nascimento como um momento de alegria, saúde e amor.
Porém agora devemos caminhar em direção de um “modelo síntese”. Temos hoje o modelo clássico intervencionista ao qual damos o nome de “modelo tese”, criamos o modelo humanista que chamamos de “antítese” e agora devemos ir em busca de um “modelo síntese” nesse movimento dialético. Um novo modelo onde mantemos as conquistas do modelo humanista, como a autonomia feminina e o parto como um evento social, familiar e afetivo. Mas trazemos também o uso apropriado das tecnologias médicas e a medicina baseada em evidências científicas, buscando, assim, o equilíbrio perfeito entre as três grandes esferas do cuidado ao nascimento: o desejo da mulher, o julgamento clínico dos cuidadores e as evidências científicas.
O nascimento humano sempre foi imprevisível, imprevisto e misterioso. Neste momento tão ímpar para a existência feminina e da humanidade, a mulher deve ser vista com profundo respeito e admiração por todos aqueles que a cercam. À equipe de saúde que a assiste cabe a tarefa de propiciar-lhe uma atmosfera de carinho e humanismo, utilizando todo o conhecimento técnico-científico necessário para que tal processo transcorra sem traumas e com segurança, para ela e para o seu filho.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Ginecologista e Obstetra e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG – 34455.
*Essa crônica foi inspirada na palestra realizada no “WORKSHOP MATERNAR BH” em 2018 em Belo Horizonte – MG – Brasil.