Nos últimos dias, o Brasil se comoveu com a notícia da perda do bebê da atriz Tati Machado, na 33ª semana de gestação. Uma tragédia que mobilizou a empatia de milhares de pessoas. Afinal, poucas dores são tão profundas quanto a de dar à luz um filho que não poderá ser levado para casa.
O óbito fetal tardio — definido como a morte do bebê intraútero após a 28ª semana de gestação — é uma realidade ainda cercada de silêncio e tabus. Embora pouco falado, ele é mais comum do que imaginamos. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 2 milhões de bebês morrem ainda no útero todos os anos no mundo. No Brasil, a taxa gira em torno de 10 mortes fetais por mil nascimentos.
As causas são multifatoriais. Podem estar relacionadas à placenta, como nas insuficiências placentárias, ou a restrições de crescimento intrauterino, infecções, malformações, doenças maternas como hipertensão e diabetes, ou complicações agudas como descolamento prematuro de placenta. Há ainda casos associados a trombofilias, problemas do cordão umbilical e distúrbios genéticos. No entanto, mesmo com toda a tecnologia atual, entre 25% e 60% dos casos permanecem sem causa identificável — o que aumenta ainda mais o sofrimento das famílias.
O papel do pré-natal e do cuidado baseado em evidências
A medicina baseada em evidências é clara: a melhor estratégia para prevenir o óbito fetal é a vigilância contínua e qualificada durante o pré-natal. Monitorar o crescimento fetal, a vitalidade, o padrão de movimentos fetais e os fatores de risco maternos — como hipertensão, diabetes, histórico de perdas anteriores, entre outros — é essencial.
Diretrizes internacionais como as da ACOG, RCOG e da OMS reforçam a importância do uso de ferramentas como ultrassonografias seriadas, Doppler fetal, perfil biofísico e rastreamento de restrição de crescimento intrauterino, especialmente em gestantes de risco aumentado. Intervenções simples, como o uso de aspirina em baixas doses para prevenção de pré-eclâmpsia em gestantes elegíveis, também fazem parte das estratégias baseadas em evidências para redução da mortalidade perinatal.
A perda que muda tudo: o impacto na saúde mental da mulher
Quando, apesar de todos os cuidados, a perda acontece, o modo como a mulher e sua família são acolhidas é tão importante quanto qualquer protocolo clínico. A forma como a notícia é dada, o espaço para o luto, a possibilidade de ver e segurar o bebê, de nomeá-lo e fotografá-lo — tudo isso influencia profundamente o processo de elaboração da perda.
Estudos mostram que o impacto emocional do óbito fetal tardio pode ser duradouro. Transtorno de estresse pós-traumático, depressão, ansiedade, dificuldades no vínculo em gestações futuras e até medo de novos partos são consequências possíveis. Segundo revisão da Cochrane e diretrizes da NICE, a assistência respeitosa e centrada na mulher durante e após a perda pode mitigar significativamente esses efeitos, promovendo saúde mental e bem-estar reprodutivo a longo prazo.
O cuidado que transcende a ausência
Na equipe do Instituto Nascer, acreditamos que mesmo na ausência da vida, o nascimento continua sendo um evento que merece respeito, acolhimento e humanidade. A mulher que perde um bebê precisa ser tratada como mãe — porque ela é mãe. E o luto perinatal precisa ser legitimado: ele não é menor, não é invisível, não é menos digno de atenção.
É preciso cuidar do corpo e da alma. Permitir que essa mulher chore, que se despeça, que encontre sentido em sua dor. E oferecer um acompanhamento multiprofissional — com escuta, suporte psicológico e orientação — que a ajude a seguir, quando estiver pronta.
O silêncio que cerca o óbito fetal precisa ser rompido com informação, empatia e compromisso com o cuidado. Porque salvar vidas também é cuidar das perdas. E mesmo quando não é possível evitar a morte, sempre é possível oferecer vida em forma de presença, respeito e amor.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 3445
Referências:
- Royal College of Obstetricians and Gynaecologists. Green-top Guideline No. 55: Late Intrauterine Fetal Death and Stillbirth.
- American College of Obstetricians and Gynecologists. Practice Bulletin No. 102: Management of Stillbirth.
- World Health Organization. Making Every Baby Count: Audit and Review of Stillbirths and Neonatal Deaths (2016).
- NICE. Postnatal care up to 8 weeks after birth (2021).
- Cochrane Database of Systematic Reviews. Psychological interventions for women after stillbirth.