Nos últimos anos, o termo “violência obstétrica” tem ganhado destaque no Brasil e no mundo. Ele se refere a práticas, condutas, ações e omissões — intencionais ou não — que causem sofrimento físico, psicológico, sexual ou moral à mulher durante a gestação, o parto, o nascimento ou o pós-parto.
Apesar de a expressão ainda não estar oficialmente tipificada no ordenamento jurídico brasileiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e diversas entidades científicas internacionais, como a FIGO (International Federation of Gynecology and Obstetrics), reconhecem que a violência e o desrespeito na assistência obstétrica são problemas reais e globais, com consequências graves para a saúde materna e neonatal.
Formas de violência obstétrica
A violência obstétrica pode se manifestar de diversas maneiras, incluindo:
- Física: uso de procedimentos dolorosos sem necessidade clínica ou sem consentimento informado, como episiotomia de rotina, manobra de Kristeller (pressionar o abdome para acelerar o parto) ou exames de toque excessivos.
- Verbal: frases desrespeitosas, ameaças, gritos, humilhações ou piadas sobre a mulher.
- Negligência: deixar de oferecer analgesia quando indicada, ignorar queixas de dor, ou atrasar atendimento sem justificativa.
- Psicológica: induzir medo, constrangimento ou culpa.
- Negação de autonomia: impedir a presença de acompanhante, recusar métodos não farmacológicos para alívio da dor, ou realizar procedimentos sem explicação prévia.
- Violação de diretos sexuais e reprodutivos: impedir escolhas sobre o tipo de parto ou sobre o próprio corpo.
Por que a violência obstétrica acontece?
Pesquisas mostram que a violência obstétrica está relacionada a fatores culturais, estruturais e institucionais, incluindo:
- Modelo de cuidado centrado no profissional e não na mulher, onde decisões são tomadas sem participação ativa da gestante.
- Excesso de medicalização e intervenções desnecessárias, muitas vezes contrariando diretrizes científicas.
- Desigualdades de gênero, que reforçam a ideia de que a mulher deve “suportar” a dor ou não questionar a autoridade médica.
- Formação profissional deficiente em comunicação, empatia e respeito aos direitos da paciente.
Impactos da violência obstétrica
As consequências vão muito além do momento do parto:
- Físicas: lacerações, dor crônica, infecções, complicações obstétricas.
- Psicológicas: depressão pós-parto, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), medo de futuras gestações (tocofobia secundária).
- Sociais: perda de confiança nos serviços de saúde, afastamento da amamentação, impacto negativo na vinculação mãe-bebê.
O que dizem as evidências
A OMS publicou em 2014 a declaração “Prevenção e eliminação do desrespeito e abuso no parto institucional”, alertando que todas as mulheres têm direito a uma assistência digna, respeitosa e livre de abusos.
Diretrizes do NICE (National Institute for Health and Care Excellence) e do RCOG (Royal College of Obstetricians and Gynaecologists) reforçam a importância de:
- Consentimento informado para qualquer procedimento.
- Respeito à autonomia e preferências da gestante.
- Acesso a acompanhante durante o trabalho de parto.
- Oferecer métodos de alívio da dor quando solicitados ou indicados.
Estudos mostram que modelos de cuidado centrados na mulher, com equipes multiprofissionais e baixa intervenção, reduzem significativamente a incidência de experiências negativas e aumentam a satisfação com o parto.
Como prevenir e combater
- Empoderamento da mulher: acesso a informações claras sobre direitos, opções de parto e riscos/benefícios das intervenções.
- Modelo de cuidado humanizado: acompanhamento por equipe multiprofissional, protagonismo da gestante e respeito às escolhas.
- Treinamento das equipes: habilidades de comunicação, escuta ativa e prática baseada em evidências.
- Ambiente acolhedor: privacidade, presença de acompanhante, métodos não farmacológicos de alívio da dor.
- Fiscalização e políticas públicas: protocolos institucionais que assegurem o cumprimento de direitos, além de canais seguros de denúncia.
A visão do Instituto Nascer
No Instituto Nascer, acreditamos que o parto humanizado é a antítese da violência obstétrica. Nosso modelo de cuidado devolve à mulher o protagonismo, oferece assistência interdisciplinar e segue rigorosamente a medicina baseada em evidências.
O respeito à gestante não é um adendo ao atendimento — é o centro dele.
Hemmerson Henrique Magioni, Médico Obstetra, Fundador e Diretor Técnico do Instituto Nascer – CRM-MG 34455
Referências
- World Health Organization. The prevention and elimination of disrespect and abuse during facility-based childbirth. WHO, 2014.
- FIGO. Statement on respectful maternity care. 2021.
- ACOG Committee Opinion No. 687: Ethical decision making in obstetrics and gynecology. Obstet Gynecol. 2017.
- National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Intrapartum care for healthy women and babies. 2021.
- Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG). Better for women report. 2019.
- Bohren MA et al. The mistreatment of women during childbirth in health facilities globally: a mixed-methods systematic review. PLoS Med. 2015;12(6):e1001847.